O Caso de Amanda
© Gregorius Vatis Advena, 2013, Record D 3, Engl. Amanda's Case, Hampshire, decasyllabic verse, farse, 2253 lines, dramatic poetry, Portuguese.
© Gregorius Vatis Advena, 2013, Record D 3, Engl. Amanda's Case, Hampshire, decasyllabic verse, farse, 2253 lines, dramatic poetry, Portuguese.
Maurício e Patrícia tentam provar a Procópio, seu pai, o adultério da esposa Amanda com Rogério, líder religioso. Mas o flagrante armado acaba não tendo o efeito desejado. Rogério, por sua vez, recebe cartas de supostas fiéis, inquietando Amanda. Caberá à empregada Deusdete descobrir o segredo dessas cartas.
Imagem: Gustave Courbet: L’origine du monde, 1866, Paris, musée d’Orsay – óleo sobre tela (46 x 56 cm).
O Caso de Amanda é uma crítica à credulidade em sua apoteose vulnerável, convite à mistificação. A farsa é uma comédia leve e breve que desmascara a hipocrisia dos protagonistas. Aqui, a duração em cinco atos e o plurilinguismo rompem com a farsa tradicional. No estilo, usos cultos e chulos locupletam-se satiricamente.
Sinfonia No. 2 em ré maior, Op. 36, – IV. Allegro molto, Beethoven, European Archive – Musopen CC PD.
O verso é decassílabo. É uma obra experimental. O contraste de registros de linguagem e o uso sistemático da prosografia variada dão à forma um caráter único, e cômico, de surrealidade. A grafia inclui contrações inovadoras e sinais incomuns de diérese, além do artigo líquido.
Exemplos: A vidè bela (a vida è bela – è sendo forma átona); dē ouro (para evitar elisão); Rogér avisou (para poupar tritongo visual); amou la vida, chamou l’ambulância (para evitar hiato).
PROCÓPIO, banqueiro
AMANDA, sua esposa
MAURÍCIO e
PATRÍCIA, seus filhos
ROGÉRIO, mau devoto
DEUSDETE, empregada
CENÁRIO: em casa de Procópio e seus recintos
TEMPO: Não sei, é surreal, tem hora que parece atual.
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Rogér. | Vamos por o copinho aqui na mesa | |
Porque Deus abençoa quando oramos. | ||
A paixão delirante engana o mundo | ||
E prestai atenção que a vida passa. | ||
Este mundè covil de fornicantes | 5 | |
Onde o pecado toma conta e manda. | ||
Pois é difice e pouca gente vence | ||
A tentação, a flama se apodera. | ||
Lugar de forniqueirè no demônio! | ||
A libação desses jovens perdidos | 10 | |
Sexta-feira de noite festejando, | ||
A labareda de excêntricos bailes | ||
Deus odeia, Deus vê, Deus abomina. | ||
Grande ilusão desperdiça esta vida | ||
E quando enfim se reconhecè tarde. | 15 | |
Por isto peço, filhos, vossos olhos | ||
Voltai à vida e jaez de profetas. | ||
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Aman. | Escuta comō é, Maurís, a vida! | |
Esta família luta em vão, Rogério, | ||
Pecado triunfando aos olhos vistos. | 20 | |
Meu filho chega ao lar de madrugada | ||
E vive doido e sem eira nem beira! | ||
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Maur. | Queísso, mãe? | |
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Aman. | Quïeto! Fala logo: | |
Ontem à noite, por exemplo, diz | ||
Aonde foste, malandro! Calado? | 25 | |
A hora passa e vou te lamentando, | ||
Rapaz, que vida sem vergonha levas. | ||
A minha cara já se encheu de rugas | ||
E a cabeleira vai ficando branca. | ||
Minh alma apunhalada não te importa | 30 | |
Nem o desgosto que trago! | ||
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Maur. | Mas como...? | |
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Aman. | Perguntas? Deixa de lado o teatro! | |
Toma muito cuidado com Maurício! | ||
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Maur. | Que queísso, gente? | |
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Aman. | Olha, Rogério, | |
A vidè dura mesmo! Todo dia | 35 | |
Aparece no mundo algum boato | ||
Sobre meu filhō, um pior dō outro. | ||
Aquela porta da sala, Procópio, | ||
Podes cerrar, pelo céu, para sempre! | ||
Não, eu preciso falar, meu querido, | 40 | |
È nada menos que a honra dum lar | ||
Que aqui defendo, pois esse menino | ||
Quer acabar coa paz duma família. | ||
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Deus. | Mas não se exalte demais, Dona Amanda! | |
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Aman. | Fala, Deusdete, diz se estou mentindo, | 45 |
Fala, infeliz! A madrugada inteira | ||
Passo desperdiçando um pranto amargo, | ||
Mar que me resta. Quanto mais eu morro | ||
Maurício goza mais. Bebe sem sede | ||
Este ordinário, carente de inferno. | 50 | |
Ai, dissabores cruéis que trouxeste | ||
À própria casa. Perdeste o juízo? | ||
Nem todo um livro pudera escrever | ||
O precipís a que lançaste os teus. | ||
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Maur. | Ave Maria, o sermão da beata | 55 |
começa, a pregação jà foi bem fundo! | ||
Fala, Patrís, onde estive esta noite? | ||
Virou pecado, agora, visitar | ||
Um amigo estudante? É pecado | ||
Estudar para a prova e debater | 60 | |
Um projeto de lei? Então pequei! | ||
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Patríc. | Euzinha estava lá que sei. Vi tudo! | |
| ||
Maur. | Quando rolou āquela cervejinha | |
Do anfitrião, do venerável pai, | ||
Eu nem direito vi. Bebi somente | 65 | |
Um copinho, molhei o bico e pronto. | ||
Mamãe duvida? Eu non tinha tempo | ||
E tinhè coisa a fazer e aprender. | ||
Assim cheguei nesta casa de noite, | ||
Surpreso ao ver acordada mamãe | 70 | |
Orando pragas. A boca virou | ||
Altar de maldições, fiquei com medo. | ||
| ||
Aman. | Viste, Rogério? Assim que me trata | |
Este indivíduo. Em casa decente, | ||
A família cristã se junta à mesa | 75 | |
E ali se expõe um caso e se discute | ||
Com amor e na paz. Assim se acalma | ||
E se resolve o problema de casa | ||
E fica tudo ali. Estirpe nobre | ||
De gente escuta os pais e se respeita, | 80 | |
Sabes, Rogério? Faz a diferença. | ||
Os bons ensinam e são venerados. | ||
| ||
Deus. | Fale com calma aos jovens, Dona Amanda! | |
| ||
Aman. | Aqui, meu caro, estilè o que se vê: | |
Os pais amedrontados frente à mesa, | 85 | |
E a prole transbordando o desrespeito. | ||
Son trovadores de todo impropério! | ||
Nenhum debate se dá sem tumulto, | ||
Em toda parte irrompe grito e mais | ||
Palavreado misturado às preces: | 90 | |
Assim caminha família sem rumo. | ||
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Rogér. | Nesses momentos, pai què pai educa: | |
Procópio, toma uma atitude, ensina! | ||
Sabes què grande o dever de parente | ||
E que no céu el homem presta contas | 95 | |
Dum filho mau e seus atos perdidos. | ||
Não hesitar, amigo, quando o tempo | ||
Exige a mão que pune et orienta. | ||
É melhor prevenir a perdição | ||
Das almas preguiçosas pelo fogo. | 100 | |
| ||
Proc. | Ouviste, filho, a palavra dum santo, | |
Profeta e bom! Abençoado o dia | ||
Em que Rogér adentrou esta casa | ||
Abandonada! Seguirei lo exemplo | ||
E te pergunto como cabe ao justo: | 105 | |
Eu punirei teu despautério como? | ||
| ||
Maur. | Non sei, papai! Ordena e vamos ver, | |
Eu cumpro sempre, toda vez cumpri! | ||
| ||
Proc. | Assim se diz, gostei de ver, rapaz! | |
Ouviste, Amanda? Maurís obedece, | 110 | |
Nem tudo está perdido nesta casa. | ||
Eu sempre tive esperança nos jovens, | ||
Nò é verdade, Rogério? Que dizes? | ||
| ||
Rogér. | Cabe ordenar ao pai, portanto ordena! | |
Veremos logo atè onde obedece. | 115 | |
| ||
Proc. | Parece justo que Maurício passe | |
Mais tempo em casa relendo profetas. | ||
| ||
Maur. | Impossível! | |
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Aman. | Calado! | |
| ||
Proc. | Decidido! | |
| ||
Maur. | Okay, então, vou ler, vou ler, okay? | |
Eu vou mudar, obrigado, Rogério. (sai.) | 120 | |
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Rogér. | A juventude perdida do mundo... | |
| ||
Patríc. | Nossa, mas que exagero, minha gente, | |
Maurício mal bebeu... | ||
| ||
Aman. | Agora, filha, | |
Falemos sério que teu casè grave, | ||
Quase pior. A lista dos teus atos | 125 | |
Vai a bem longe! Basta olhar na cara | ||
Da tua estirpe e reconheço estrago | ||
Em teu caráter. Agora confessa: | ||
Queres o quê desta vida, menina? | ||
Se penso em ti, padeço em desespero | 130 | |
E vivo como condenada à morte. | ||
| ||
Patríc. | Ai ai ai, que marmotè esta, gente? | |
| ||
Aman. | È cada coisa quessa moça veste | |
E cada baile doido que frequenta | ||
E cada tipo de amigo que escolhe... | 135 | |
Eu quase desfaleço enquanto penso. | ||
As armas que o diabo prega contra | ||
A vida reta, nada disto importa. | ||
Quanto mais me recordo mais me abalo: | ||
Teu casè triste e já chorei por ti. | 140 | |
| ||
Patríc. | Olha que lindo e que tocante, conta! | |
| ||
Aman. | Esse namoro tam longo e profundo, | |
Queísso, gente, sejamos sensatos, | ||
A que ponto chegamos, minhā filha? | ||
Devo dizer que proveito perfeito | 145 | |
O namorado, mancebo sem rumo | ||
Tirou de ti? Agora então te calas? | ||
Pois já passou da hora e já repito: | ||
Tome vergonha esse despudorado! | ||
| ||
Proc. | Tem paciência coa pobre Patrícia! | 150 |
| ||
Aman. | Ora, Procópio, que mais o menino | |
Tem de esperar e que mais a provar? | ||
Isso nem ouso dizer, eu nem sei, | ||
Meu Deus, se resta nesse templo santo | ||
Algum recanto intocado a buscar. | 155 | |
Homens de bem perdoarão contudo | ||
O pranto incontrolado que me afoga | ||
Desde que vi la verdade: Patrícia | ||
Perdida pelo mundo e seminua. | ||
Age, Procópio, por Deus, intervém! | 160 | |
| ||
Patríc. | A intromissão, mamãe, encheu meu saco: | |
Amo e sou muito amada e quero mais! | ||
| ||
Rogér. | Então, se queres mais, o mais quem dá | |
È Deus no altar. O casamentè paz! | ||
| ||
Patríc. | Sermão bonitè sermão praticado, | 165 |
Macaco olhando o próprio rabè lindo. | ||
| ||
Proc. | Patrícia! | |
| ||
Rogér. | Vida proba... | |
| ||
Aman. | Conjugal! | |
| ||
Patríc. | E quem disse que não nos casaremos? | |
Basta ele terminar a faculdade | ||
E já jurou que se casa comigo! | 170 | |
| ||
Deus. | Ai ai, Patrícia, não me faças rir | |
Porque te digo: Desse tipo tem muito | ||
Jurador de promessa e querem só | ||
Tirar proveito. Na hora do vamos | ||
Ver, querida, peão vai tudo embora. | 175 | |
| ||
Aman. | Ouve, Patrícia, Deusdetè mulher | |
Experiente! | ||
| ||
Rogér. | Essa sabe è coisa! | |
| ||
Proc. | Sabe o quê? | |
| ||
Deus. | Enfim! Seja como for. | |
| ||
Patríc. | Que confusão, ninguèm sabe o que fala | |
E perco tempo. È nisto que dá | 180 | |
O converseiro de quem se incomoda | ||
Com vida alheia. Querè ser feliz, | ||
Viver em paz! Um falatório destes | ||
Nem merece atenção e nem resposta: | ||
Resposta eu dou saindo e logo, fui! (sai.) | 185 | |
| ||
Deus. | Spera, Patrícia, não foi isto o queu... (sai.) | |
| ||
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| ||
| ||
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| ||
Proc. | Assim termina a fraqueza dos jovens. | |
| ||
Aman. | Perdão, Rogério! | |
| ||
Proc. | Que vergonha, amigo! | |
| ||
Rogér. | Encerrada a sessão educativa, | |
Meus amigos, falemos do dinheiro, | 190 | |
Imperioso dom do qual depende | ||
A bem dizer a salvação das almas: | ||
Assunto urgente, caso raro e grave! | ||
| ||
Aman. | Meu Deus, que assunto? | |
| ||
Proc. | Queremos saber! | |
| ||
Rogér. | Nem sei por onde começar, mas digo: | 195 |
Esses exemplos raramente vistos | ||
Duma assembleia universal non bastam, | ||
Pois toda igreja custa o seu dinheiro. | ||
A nossa ainda custa até mais caro, | ||
Porque na nossa a pessoa se salva: | 200 | |
Ali non tem converseiro, ali salva! | ||
O durè quando falta o necessário. | ||
O apoio financeirè para poucos, | ||
Pois é preciso investir um milagre | ||
E milhões a manter o templo em pé. | 205 | |
| ||
Proc. | Que queísso, Rogério, que besteira! | |
| ||
Aman. | Dinheirè solução, problema não! | |
| ||
Proc. | Non posso permitir que a nossa igreja | |
Venha a falir por culpa minha, nunca! | ||
| ||
Aman. | Sinceramente, Rogério, non cabe | 210 |
Agora hesitação, e não te faças | ||
De rogado: Jà disse que ajudamos! | ||
| ||
Rogér. | È dessa ajuda mesmo que preciso, | |
Dinheiro e nada mais! Melhor, corrijo: | ||
Caridadè bonito, ajuda aos pobres, | 215 | |
Só que pobre non paga nosso templo. | ||
Explicarei melhor o que se passa. | ||
| ||
Proc. | Fala, mal consigo esperar! | |
| ||
Aman. | Agora! | |
| ||
Rogér. | Aqui está, portanto, pronto o novo | |
Orçamento, uma bomba a novidade: | 220 | |
A cotação dō ouro tem subido! | ||
Fico me perguntando comō é | ||
Que pagarei lo Hall da Salvação. | ||
Encomendei pilastra d’ouro grosso, | ||
Material maciço, e vem chegando. | 225 | |
Mas a verdadè que a flutuação | ||
Dō ouro engana. Pagaremos caro | ||
Coisa que me disseram ser barata! | ||
Fazer o quê? Tem que ser ouro mesmo, | ||
Pois o Templè visão do Paraíso, | 230 | |
Nò é folhagem só de superfície: | ||
Espelho da verdadè ouro puro! | ||
| ||
Proc. | Pois eu falei, Rogér, e repeti: | |
Rogér, escolhe logo a tua igreja, | ||
Eu vou-te dar, escolhe e vou comprar! | 235 | |
A caridade dos bons te confunde? | ||
Quando o projetè pregar a palavra | ||
Eu gasto tudo, invisto, eu propicio. | ||
Non quero ver, por cristã piedade, | ||
Nenhuma conta de nossa irmandade | 240 | |
E não me ofendas! Passa este orçamento | ||
Ao secretário lá do banco e pronto! | ||
| ||
Rogér. | Frente a tocantes exemplos, insisto: | |
Em verdade, Procópio, sou um homem | ||
Sem mérito nenhum, de vida simples | 245 | |
A bem dizer, e recuso favores! | ||
| ||
Proc. | Favores não, deveres, e non tires | |
De minhas mãos a chave para o céu: | ||
Eu quero me salvar, eu vou pagar! | ||
O que estou dandè pouco e comedido, | 250 | |
Presente simples è quase avareza! | ||
Eu sou pessoa má, eu dou do excesso, | ||
Rogério, resta-me aindūm império. | ||
Eu posso dar è tudo e tudo sobra: | ||
Posso dar o meu banco pelos pobres | 255 | |
E nada mais serei que escondedor | ||
De meus tesouros, a verdadè esta! | ||
| ||
Rogér. | Calma, Procópio, que te passa, amigo? | |
Guarda estas justas emoções aos santos: | ||
Homens de bem merecem mais quē eu, | 260 | |
Que já te vejo no rumo correto! | ||
Há muitos modos de ser caridoso | ||
E cada qual contribui como pode. | ||
Se preferires, ir doando aos poucos | ||
Também è dar. O Templo te agradece! | 265 | |
| ||
Aman. | A tonelada dē ouro, Procópio, | |
Não me venhas dizer que foi bastante: | ||
Um templo inteiro está ēm construção! | ||
São pilastras, o altar, o chão e teto: | ||
A salvação, meu caro, è muito cara! | 270 | |
| ||
Proc. | Três toneladas! | |
| ||
Rogér. | Quantas? | |
| ||
Aman. | Bom começo! | |
| ||
Rogér. | Estou confuso e non posso aceitar! | |
| ||
Aman. | Non cabe a ti recusar, meu amigo, | |
Vem de Procóp e dos céus o presente! | ||
| ||
Rogér. | Quē ouço? | |
| ||
Proc. | Ouro jamais pagará | 275 |
La redenção que Rogério nos trouxe. | ||
Eu poderia até morrer de fome | ||
E não seria grande o pagamento! | ||
| ||
Rogér. | Este abandono de mundo e de coisas | |
Tão bonito comove os meus fiéis. | 280 | |
Eu mandarei gravar no fundo d’ouro | ||
Os vossos nomes: Amanda e Procópio | ||
Serão louvados todos os domingos! | ||
Que caridade, amigos, benfeitores | ||
Do Impér Universal da Salvação. | 285 | |
Meus olhos choram só de imaginar | ||
As emoções do Paraíso agora! | ||
Son tantas existências redimidas! | ||
| ||
Aman. | Isto aí nò è nada, nem começo! | |
Cumprimos um dever e muitos outros | 290 | |
Cumpriremos aindā: Eu prometo! | ||
| ||
Proc. | Escrito está: Quem quiser ir ao alto | |
Deixe de lado a luxúria do mundo. | ||
O caso está resolvido, Rogério! | ||
Passa lá no escritório se puderes: | 295 | |
Tem uma carta para ti, de hoje, | ||
Parece urgente! | ||
| ||
Rogér. | Muito obrigado, sim, | |
Irei buscar! A mesma remetente? | ||
| ||
Proc. | Temo que sim! | |
| ||
Rogér. | Non tenho paz na vida! | |
Mas istè outra história, tema à parte. | 300 | |
Quero fazer apenas um pedido: | ||
Se for possível, que fique entre nós | ||
A vossa ajuda ao Hall da Salvação. | ||
| ||
Proc. | O caso dessas cartas, meu amigo, | |
Requer prudência. Mas o caso nosso | 305 | |
E nosso auxílio requer discrição | ||
E nesta casa silêncio non falta. | ||
| ||
Rogér. | Com isto não me inquïeto. Conheço | |
A retidão do lar que aqui me acolhe, | ||
Pobrezinho que sou. E quanto a cartas, | 310 | |
É melhor que o problema se resolva. | ||
| ||
Proc. | Isto sim, mas non posso proïbir | |
A remetente (e como poderei?) | ||
De remetê-las. Não te preōcupes: | ||
Com paciência tudo se resolve, | 315 | |
Mesmo a flutuação dō ouro, calma! | ||
| ||
Rogér. | Essa insistência muito me incomoda! | |
Mas que fazer e como se livrar? (saem.) | ||
| ||
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| ||
| ||
| ||
Aman. | Gente, quē homem divino esse bispo! | |
Mas que diabo de cartas sõ essas? | 320 | |
Deusdete, faz favor! | ||
| ||
Deus. | Mas Dona Amanda... | |
| ||
Aman. | Como demoras, pelo amor de Deus! | |
Abre as janelas já, non percas tempo! | ||
| ||
Deus. | Mas o que foi? | |
| ||
Aman. | Um segredo, Deusdete! | |
Sabes guardar um segredo terrível? | 325 | |
| ||
Deus. | Sou uma cova! | |
| ||
Aman. | Fala baixo então! | |
| ||
Deus. | Meu Deus, que foi? Abre essa boca e fala! | |
| ||
Aman. | Ele tem outra! | |
| ||
Deus. | Impossível, Dona... | |
| ||
Aman. | Cala-tē ouve, infeliz! | |
| ||
Deus. | Fala logo! | |
| ||
Aman. | Essas cartinhas inda me matam, | 330 |
Uma depois dā outra: sem vergonha! | ||
Olha, Deusdete, dei tudo o que pude, | ||
Tudō, e agora o que ele paguè isto! | ||
| ||
Deus. | Mas como assim? | |
| ||
Aman. | Este homem è tudo! | |
Sem ele eu morro e se viver me mato. | 335 | |
| ||
Deus. | Comé quié? Entendi bem? Procópio... | |
| ||
Aman. | Mas que Procópio? Procópio là vive? | |
É de Rogério que falo! | ||
| ||
Deus. | Meu Deus! | |
Mas Dona Amanda, que escândalè este? | ||
Rogério? Cada esquina tem melhor | 340 | |
Que um cara desses, conheço o tipinho! | ||
Comō é que consegues, minha amiga, | ||
Que coisa viste num traste daqueles? | ||
| ||
Aman. | Pois meu amantè demais diferente, | |
Deusdete, nosso amor è tão divino. | 345 | |
Rogério diz palavras que me tocam, | ||
Juras que nunca ninguém me fizera. | ||
Sabes, querida, eu teria motivos | ||
De condenar essa conduta estranha, | ||
Um sentimento que o mundo despreza. | 350 | |
Mas não, jamais, foi o céu que mandou. | ||
Se conhecesses, amiga, o meu gozo, | ||
Calor que me consome cabo a rabo: | ||
Nò há melhor emoção nesta vida! | ||
| ||
Deus. | Toma cuidado com juras de amor! | 355 |
| ||
Aman. | Basta Rogér entrar queu já me tremo, | |
Paixão que se apodera de meu corpo. | ||
Eu vejo e fico tonta de delícia, | ||
Meu sangue ferve, meu peito balança. | ||
Nò é diabo nenhum que me inspira, | 360 | |
È tão bonito o beijo de Rogério, | ||
Rogério me possui, sou dele e só! | ||
| ||
Deus. | O casè sério, devemos agir! | |
| ||
Aman. | Mas que fazer, criatura de Deus? | |
Eu vou dormir e não consigo e penso | 365 | |
Nos seus abraços, beijos e batidas. | ||
Minh almè seca como são desertos! | ||
Rogério deu-me da seiva do alento, | ||
Fez-me feliz, ensinou-me a viver. | ||
Minha filha, meu corpè todo ardente: | 370 | |
Quanto mais elevo aos céus uma prece | ||
Mais me recordo do calor fervente! | ||
| ||
Deus. | Essa eloquência toda não me agrada. | |
Toma cuidado com homem casado, | ||
Dona, Rogério tem esposa e filhos. | 375 | |
| ||
Aman. | Mas tem também um coração, Deusdete! | |
Eu não me engano e conheço este mundo, | ||
Conheço o coração do meu amado! | ||
Rogério me deseja e me redime: | ||
A minha vida sem Rogér è crime! | 380 | |
Que carè esta, minha amiga, fala: | ||
Minha alegria agora te incomoda? | ||
Estou no céu, encontrei a razão | ||
Da minha vida e meu amor eterno: | ||
Posso morrer e morrerei feliz! | 385 | |
| ||
Deus. | Uhé? Mas se é assim, qual o problema | |
De tanta carta? Rogério te ama! | ||
| ||
Aman. | Pobre inocente mulher que tu és... | |
Para e reflete, criatura, um pouco! | ||
Nunca ouviste falar em Satanás? | 390 | |
Demôn acaba coa raça dum homem, | ||
Inventa intriga, engana até visão. | ||
Uma coisa aprendi na minha vida: | ||
Contra o diabo nossa curè pouca! | ||
È Satanás, mulher, è Satanás | 395 | |
Tentando sequestrar o meu amado: | ||
Alegria de Amanda dura pouco! | ||
Uma coisa de fatè muito certa: | ||
Quando Satã se esforça contra nós | ||
A vida se complica, amor também – | 400 | |
È isto aí, menina, o casè grave! | ||
| ||
Deus. | O casè muito mais grave queu cria. | |
Mas uma coisè certa desde sempre: | ||
Quando se acusa sem saber verdade, | ||
Quanto maior o equívoco pior. | 405 | |
Refletir è melhor que maldizer: | ||
Quanta certeza tens da traïção? | ||
| ||
Aman. | Ah, que queísso, Deusdete, me poupe! | |
Correspondências longas que recebe, | ||
Non faltam provas da mão do diabo! | 410 | |
Olha bem nesta minha cara e diz: | ||
A remetentè fiel inocente? | ||
Vivi demais, ouvi distintos casos, | ||
Jà decifrei segredos indescritos. | ||
Issé pecado e paixão perigosa! | 415 | |
| ||
Deus. | Ah é? Então Dona Amanda jà leu | |
As cartinhas de amor do tal demônio? | ||
Reconhecer uma letra do inferno | ||
Agorè fácil? Amanda, cuidado, | ||
Nò é assim que se distingue a coisa. | 420 | |
Um tal estudo exige mais que medo! | ||
| ||
Aman. | Ô gente, quêqueu fiz de mal no mundo, | |
Eu fiz o quê que merecesse isso? | ||
Estou confusa e preciso de ajuda! | ||
Eu sei que quem è nobre não repara | 425 | |
Cachorrada no mundo e cavalada | ||
E, minhā filha, eu perdoei de tudo: | ||
De falsidade, avereza a calúnia, | ||
Non teve coisa, rancor eu non guardo! | ||
Mas olha aqui: Rogério vou deixar? | 430 | |
Non tem pecado pior que trair | ||
Um coração tam puro quanto o meu. | ||
O mundo sabe da força que tenho | ||
E nem me abalo com qualquer ofensa. | ||
Mas este gesto imoral de Rogério... | 435 | |
| ||
Deus. | Misericórdia! | |
| ||
Aman. | Merece perdão? | |
| ||
Deus. | A digressão moral è bem profunda, | |
Mas a resposta não me caibo a dar. | ||
È bom passarmos da fala às ações: | ||
Será melhor desvendar de uma vez | 440 | |
O escandaloso segredo dos selos! | ||
| ||
Aman. | Sabedoria vejo que possuis! | |
Mas que fazer então e como agir? | ||
| ||
Deus. | Existe apenas um plano, menina. | |
| ||
Aman. | Fala, infeliz! Quero ouvir em detalhes | 445 |
O plano e começar sem mais demora. | ||
| ||
Deus. | Basta encontrar a mão apropriada | |
Ao furto, Amanda, desses papeizinhos. | ||
| ||
Aman. | Ah, coitadinha de ti, Deusdetinha! | |
Procópio guarda a coisa a sete chaves | 450 | |
Ou já nem sei se precisa de chaves! | ||
Nunca avistei qualquer que fosse carta | ||
E procurei, mulher, de cabo a rabo. | ||
Eu vou fazer o quê? Prossigo como? | ||
| ||
Deus. | Nò é preciso ser grande espião | 455 |
Para saber que neste mundo inteiro | ||
Nunca existiu ūma carta segura. | ||
Nenhum papel se è papel de verdade | ||
Jamais resiste à mão que se interpõe: | ||
Bastou chegar ladrão nā hora certa. | 450 | |
| ||
Aman. | O ensinamentè mesmo filosófico, | |
Mas quem vai pôr a mão naquelas cartas? | ||
| ||
Deus. | Isto veremos! | |
| ||
Aman. | Então me prometes? | |
| ||
Deus. | Se me ajudares... | |
| ||
Aman. | Juro que te ajudo! | |
Dá-me esta mão e juremos por tudo: | 455 | |
Procuraremos juntas essas cartas! | ||
Deusdete não descansa até saber | ||
Com que cadela Rogério me trai. | ||
Vamos, amiga, dêmos logo as mãos! | ||
| ||
Deus. | Antes que encontre as cartas não descanso: | 460 |
Jurado está! | ||
| ||
Aman. | Pelo céu? | |
| ||
Deus. | Pelo céu! |
O Caso de Amanda |
| ||
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Maur. | Quistór è essa, Patrícia? | |
| ||
Patríc. | Mas calma, | |
Esses acessos dē ódio son vãos: | ||
Era melhor eu nem ter avisado. | ||
O homem sábio não resiste a fatos, | 465 | |
Primeiro aceita, combate depois. | ||
| ||
Maur. | Fala a verdade! Então o santinho | |
Da boa igrejè santim do pau oco? | ||
| ||
Patríc. | Filho de Deus! Non vi cons olhos meus | |
As conversinhas de amor que trocavam? | 470 | |
Ouvi promessas, Maurício, palavras | ||
Que nunca alguém imaginara ouvir | ||
Duma pessoā do estilo do bispo! | ||
| ||
Maur. | Ah! Impostor! Pois eu quebro-lhe a cara, | |
Jà faz è tempo queu estou buscando | 475 | |
Ocasião de acabar coesse cara! | ||
| ||
Patríc. | Qualquer emoção, rapaz, ou chilique | |
Destruirá destes nossos desejos | ||
O fim, o ensejo e sucesso dos meios. | ||
| ||
Maur. | E que farei então? Devo esperar | 480 |
Quesse infeliz indivíduo se aposse | ||
Duma mulher casada e mãe de dois? | ||
| ||
Patríc. | Isto o bispo jà fez, amor, faz tempo. | |
Além do mais, as traïções requerem | ||
Dois elementos, e mamãe tem parte... | 485 | |
| ||
Maur. | Comé quié, Patrís, esse negócio? | |
Estás lançando uma luz dubiosa | ||
Sobre mamãe! Mamãe merece isto? | ||
Uma mulher inocente nos modos | ||
Vive no céu, e da nuvem que a cega | 490 | |
Nem percebe, coitada, o que se passa. | ||
| ||
Patríc. | A coitadinha de Deus è tam pura | |
Que já mandou Deusdete averiguar | ||
Com vista grossa os papéis de papai! | ||
É porque os céus levantaram suspeita | 495 | |
Doutra devota que o bispo tragou, | ||
E cujas cartas é papai quem porta. | ||
| ||
Maur. | Ah, desgraçado, non passa de hoje! | |
Pega um punhal porque quero matar: | ||
Cravo-lhe a faca bem fundo no crânio! | 500 | |
| ||
Patríc. | O gestè grande e as intenções heroicas, | |
Mas poupa o sangue, por amor divino. | ||
Há modos mais elegantes de agir. | ||
| ||
Maur. | Vai-te danar com tamanha ironia! | |
É de barata, Patrís, o teu sangue? | 505 | |
É de aceitar atrevimento desses? | ||
| ||
Patríc. | Olha o machão, que bonito e que forte! | |
Vai, meu querido, morrer na prisão | ||
Por cado bispo do céu, de Rogério. | ||
| ||
Maur. | Pois eu me mordo, desejo-lhe morte! | 510 |
Ou deixarei viver? E se eu deixar, | ||
Fazer o quê, ficar aqui parado? | ||
| ||
Patríc. | Nada melhor que forjar um flagrante: | |
Armar encontro de amor neste lar | ||
E aqui trazer papai na hora certa! | 515 | |
| ||
Maur. | Expor papai então à baixaria, | |
Homem de bem e de tanto valor? | ||
| ||
Patríc. | Bota valor! Seus valores começam | |
Tipo a partir de noventa milhões... | ||
| ||
Maur. | A pessoa trabalha e fica rica! | 520 |
A quem mais possuir, mais se dará. | ||
Quem pouco tem, a tal se tira tudo. | ||
| ||
Patríc. | Que interessante essa avaliação: | |
Mamãe então era pouco demais! | ||
Papai que a tinha já perdeu faz tempo... | 525 | |
| ||
Maur. | Ah, por favor, Patrícia! Eu non quero | |
Que aqui se monte um teatro barato | ||
E que papai assita a palhaçada. | ||
| ||
Patríc. | E que farás de melhor contra o bispo? | |
Cravar a faca no fundo do crânio? | 530 | |
Pagar ō ato heroico numa cela? | ||
| ||
Maur. | Direi eu mesmo a papai la verdade! | |
Não lhe permito tanta humilhação. | ||
| ||
Patríc. | Spera, Maurício! | |
| ||
Maur. | Procópio, papai! | |
| ||
Patríc. | Que palhaçadè essa? | |
| ||
Maur. | Ao diabo! | 535 |
| ||
Patríc. | Assustarás vizinhos! | |
| ||
Maur. | Que se explodam! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Deus. | Non tem sossego vida de empregada: | |
Como se já non bastasse a labuta, | ||
Ficar limpando podres dessa grei | ||
Por um salário, gente, tão miúdo, | 540 | |
Inda me resta acompanhar intrigas. | ||
Se os diplomatas e agentes secretos | ||
Soubessem, ai, do poder duma serva! | ||
È cada confissão, Senhor, que escuto | ||
E documentos que me incumbo a ver, | 545 | |
È cada crime passional que evito, | ||
Ave Maria, cabe até num livro | ||
E livro grosso, chega a dar inveja | ||
Tanto que vejo, entrevejo e pressinto. | ||
É que me falta o tempo de escrever, | 550 | |
Diabo, consternações e comédias | ||
De tanta putaria e de episódios, | ||
Ai ai, que só quem viu de perto sabe! | ||
E como não? Eu fico aqui pensando: | ||
Gente de Deus, enlouqueci de vez? | 555 | |
Eu sou è lúcida e nada me assusta! | ||
Ou melhor: Assustou-me a novidade! | ||
A natureza suè muito rara. | ||
Procópio porta cartas a Rogério? | ||
Homem de Deus envolvido em paixões | 560 | |
E agora amante de Amanda o sujeito? | ||
Requer estudo a conjuntura estranha. | ||
Mas calma, analisemos bem o quadro: | ||
Vou começar coa fé de Procópio, | ||
Pois aqui na maleta esconde tudo. | 565 | |
Vamos abrir os segredos da vida | ||
E desvendá-los, eita papelada, | ||
A pessoa se afoga só de ver. | ||
| ||
(retirando papéis da maleta) | ||
| ||
Primeiro tesouro: Livro de rezas? | ||
Começa bem. Mas tem mais escondido! | 570 | |
Ah que bonito, rols de loteria! | ||
Procópio quer ficar rico na vida, | ||
Coitado, tem tam pouco. Caderneta | ||
de conta, queixas... e débito antigo! | ||
Então meu chefe compra mas non paga? | 575 | |
Interessante! Mas eu quero as cartas! | ||
Nessa maleta o cara até se perde | ||
De procurar – ingresso de teatro? | ||
Nova faceta revela-se ao mundo, | ||
Quem diria, pecado grande e grosso! | 580 | |
Mas que ruídos sõ esses agora? | ||
Jà não se pode trabalhar tranquila! | ||
Toma teu rumo, Deusdete, depressa, | ||
Sconde a maleta, ligeiro, anda! | ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Rogér. | Falando a sós, Deusdete, vendo coisa? | 585 |
Que se passou? | ||
| ||
Deus. | Sua impressão, senhor, | |
Calor demais que me deixou nervosa, | ||
Muito trabalho e pouca paz na vida! | ||
| ||
Rogér. | Contra esse fogo conheço remédio. | |
| ||
Deus. | De charlatão, meu filho, estou correndo. | 590 |
| ||
Rogér. | A gratidão passou longe de ti! | |
| ||
Deus. | Melhor è cobiçar mulher dos outros. | |
| ||
Rogér. | Inveja mata o servo mais fiel. | |
| ||
Deus. | È piedade, isto sim, disfarçada! | |
| ||
Rogér. | Uma virtude de pouca modéstia. | 595 |
| ||
Deus. | Modéstia falsa melhor que nenhuma. | |
| ||
Rogér. | Vamos deixar de insolência, menina? | |
Non sou ator de comédia grotesca! | ||
Sabe você se Amanda aqui se encontra? | ||
| ||
Deus. | Olha que bom o interesse do bispo, | 600 |
Tão adequado em tal situação. | ||
| ||
Rogér. | Deusdete, amor, me responde uma coisa: | |
Teve algum dia em que me comportei | ||
Talvez feito cavalo coa senhora? | ||
Um pouco de respeito sempre alegra: | 605 | |
Então agora, já que sou amigo, | ||
Virei amante de Amanda, è assim? | ||
Se ajudar quem precisa for pecado, | ||
Melhor tirar proveito? Lealdade, | ||
Danada, è quem eu sou, honestidade | 610 | |
O lema duma vida sem tropeço! | ||
| ||
Deus. | Disto nò ouso duvidar! | |
| ||
Rogér. | Pois bem! | |
| ||
Deus. | Ora, que quer você de mim? Amanda | |
Non sei nem como vai chegar nem quando. | ||
Eu tenho bola de cristal? Sou bruxa? | 615 | |
| ||
Rogér. | Meu bem, essa desculpa esfarrapada | |
Pode deixar para algum outro otário. | ||
Ou vocē diz a verdade ou se cuida: | ||
Amanda vai saber quem vocē é. | ||
| ||
Deus. | Pois é favor, meu filho, vá e fale! | 620 |
Nada melhor que trabalhar em paz... | ||
Rogér, escute, vou dizer sò isso: | ||
Retorne às três pois a patroa aguarda. | ||
Sò não confesse pelo mundo inteiro | ||
Que aqui virá. Se Amandè sua amiga, | 625 | |
Melhor poupá-la, viu, dalgum boato! | ||
| ||
Rogér. | Muito bonito, Deusdete! | |
| ||
Deus. | De nada! | |
| ||
Rogér. | Bem que merece alguma recompensa | |
O seu favor! Que recompensa então? | ||
| ||
Deus. | Sai do tapete, cão, estou limpando! | 630 |
| ||
Rogér. | Olha, ficou modesta agora a moça, | |
Gostei de ver a guinada, perfeito! | ||
Sabe, Deusdete, se eu fosse solteiro, | ||
Sem os deveres de pai de família... | ||
| ||
Deus. | Toma teu rumo, peão! | |
| ||
Rogér. | Como quer! | 635 |
Os gestos rudes revelam origens | ||
Nem perderei meu tempo com você. | ||
Alguma novidade dos patrões? | ||
| ||
Deus. | A discrição è virtude esquecida... | |
| ||
Rogér. | Importa apenas o bem desta casa! | 640 |
| ||
Deus. | Melhor dizer os bens. | |
| ||
Rogér. | Você me ofende! | |
| ||
Deus. | O bem do lar me parece abalado | |
Desde o rumor de que cartas secretas | ||
Passam das mãos de Procópio... | ||
| ||
Rogér. | Malícia! | |
Explicarei esse mal-entendido: | 645 | |
Quando os fiéis precisam duma ajuda | ||
Farei o quê, deixar de lado ovelhas? | ||
Pois as defendo do lobo na espreita! | ||
A cada dia eu socorro uma vida | ||
Encaminhando uma mulher perdida. | 650 | |
Como negar amparo a tanto pranto? | ||
Convém ouvir o lamento dos seios. | ||
Eu na verdade nem pedi por isto | ||
E viveria feliz sem as cartas. | ||
A confiança em mim depositada | 655 | |
Humilha minha humildade, mas vivo | ||
E como vivo ajudo meus amigos. | ||
Roguei das ovelhinhas muitas vezes | ||
Que pelo amor do Senhor me poupassem, | ||
Poupassem pelo amor de Deus Procópio! | 660 | |
Imploro em vão, as fiéis me perseguem, | ||
E assim prossegue uma triste existência, | ||
Ó, confessor que sou dos desvalidos, | ||
O coração contrito de gemidos. | ||
| ||
Deus. | Meu Deus, mas que tocante exemplo, amigo! | 665 |
Entendo agora que Amanda se uniu | ||
À grande grei de ovelhas seguidoras: | ||
Entendo agora o martírio dum santo! | ||
Tarde demais reconheço a bondade | ||
Dum homem simples, solícito aos seus. | 670 | |
| ||
Rogér. | Deusdete, poupe-me dos elogios | |
Deste orgulhoso mundo que desprezo! | ||
Eu não cobiço um mundano apanágio, | ||
Meu interesse dirige-se ao alto. | ||
| ||
Deus. | Calar-me-ei, senhor, se assim prefere. | 675 |
Contra essas dores conheço remédio! | ||
Rogério, pode confiar em mim: | ||
Divida o seu segredo e guardarei! | ||
Quero ajudar você nas suās dores, | ||
Quero ouvir a verdade dessas cartas! | 680 | |
Eu sou fiel e non traiō quem sofre. | ||
| ||
Rogér. | Quê? Impossível! | |
| ||
Deus. | Que temer, senhor? | |
| ||
Rogér. | Nò é temor, apenas discrição. | |
È complicado explicar em detalhes, | ||
È cada coisa triste que me escrevem. | 685 | |
Se até um santo fica triste ao ler, | ||
Quem nò è santo enlouquece de vez: | ||
Prefiro proteger Amanda e todos! | ||
| ||
Deus. | A caridade comove, mas... | |
| ||
Rogér. | Não! | |
Estou ficando já de saco cheio! | 690 | |
Preciso ir, questão de compromisso. | ||
Faça o favor e diga a Dona Amanda | ||
Que aqui virei às três e conversamos. (sai.) | ||
| ||
Deus. | Vai-te danar, demônio, vai-te embora! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Aman. | Que voz è essa, Deusdete? Rogério! | 695 |
| ||
Deus. | Pois acabou de sair. | |
| ||
Aman. | Mas Deusdete, | |
Como pode uma coisa dessas, traste? | ||
Ai, meu amor, espera-me, Rogério... | ||
Por um segundo o perdi para sempre, | ||
Tudo acabado, maldita, desfeito. | 700 | |
Ele pouco se importa, foi-se embora: | ||
Uma mulher conhece o fim do amor! | ||
| ||
Deus. | Modéstia, Dona, faz bem al amor, | |
Mar de ilusão confundida com flor. | ||
| ||
Aman. | Abre logo a janela, condenada, | 705 |
Non vês que morro de tanto abandono? | ||
Falta-me el ar, a palavra, o sentido! | ||
Mar que conheço è choro que me afoga | ||
Quando o meu peito arrasado soluça. | ||
| ||
Deus. | A paciênciè melhor conselheiro | 710 |
Que desespero e suspiro ligeiro. | ||
| ||
Aman. | Quero saber que mulher mo roubou | |
Para morrer em paz no desconsolo. | ||
Quero saber quem foi que o seduziu, | ||
Deusdete, eu vou matar a vagabunda! | 715 | |
| ||
Deus. | Calma, por Deus! Rogério foi, mas volta. | |
| ||
Aman. | Volta? Quando? Como? Por quê? Com quem? | |
Que foi que disse? Descreve os detalhes! | ||
| ||
Deus. | É que non tinha tempo, então saiu. | |
Mandou dizer que volta às três! | ||
| ||
Aman. | Verdade? | 720 |
Algo me diz que me aguarda desgraça, | ||
Meu coração non se engana jamais! | ||
Prepara um banho de aromas campestres: | ||
Minh alma frágil precisa de calma | ||
Quando a verdade arrasar minha vida. | 725 | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Maur. | O queque foi, mamãe? | |
| ||
Patríc. | Por que chorando? | |
| ||
Deus. | È pela causa dos pobres que chora! | |
Tenhamos caridade duma santa e | ||
Mártir mulher, agonizando em público | ||
Mãe valorosa. Quem diria, Amanda | 730 | |
Outrora forte agora até definha. | ||
Dê-me, patroa, segure esta mão! | ||
| ||
Aman. | Olha, Deusdete, eu prefiro ocultar | |
O duro fardo que trago nas costas! | ||
| ||
Deus. | Não interrompas, Maurício, por Deus! | 735 |
| ||
Maur. | Os olhos de mamãe se emocionaram? | |
Devo dizer que a profusão do pranto | ||
Confunde um pouco, vindo deste rosto... | ||
| ||
Aman. | Que audaciosas insinuações! | |
Que desrespeitè este? Alto lá! | 740 | |
| ||
Maur. | Posso dizer uma coisa? | |
| ||
Aman. | O quê? | |
| ||
Maur. | Sou burro! | |
| ||
Aman. | Que patifariè esta? | |
| ||
Patríc. | Maurício, calma! | |
| ||
Maur. | Apenas informo, | |
Non vês escrito na testa? Sou tonto! | ||
Eu sei de tudo e contudo sou tonto, | 745 | |
Olha que estranho e que gozado o caso. | ||
| ||
Aman. | Queísso, filho? | |
| ||
Maur. | Nada não, santinha, | |
Mulher ingênua que és, inocente. | ||
Eu nunca vi atriz de tal talento! | ||
| ||
(Amanda dá uma bofetada em Maurício) | ||
| ||
Patríc. | A correção è certa mas tardia! | 750 |
Podemos conversar a sós, Deusdete? | ||
Mamãe precisa ouvir umas coisinhas. | ||
| ||
Deus. | Alguém precisa de obrar nesta casa. (sai) | |
| ||
Patríc. | Quero saber, Dona Amanda, uma coisa. | |
| ||
(silêncio) | ||
| ||
Que caso existe entre Rogér e Amanda? | 755 | |
Mamãe! Non quero entender que motivo | ||
Levou-te ao ponto extremo de trair | ||
O amor dum homem probo e grande pai. | ||
Se este adultério se passa em verdade, | ||
Confessa apenas! Eu, da minha parte, | 760 | |
Perdoarei la tua triste infâmia, | ||
Se a boca for suficiente honesta! | ||
Peço somente que bem consideres | ||
Se è merecido o gravíssimo golpe | ||
Que a teu marido desferes às costas. | 765 | |
Imploro menos por ti que por ele. | ||
Papai è nobre e despreza vingança | ||
Como nas casas baixas é costume: | ||
Onde se pune ultrajes mui menores | ||
Coa pronta morte dambas as partes. | 770 | |
Nò é capaz de te ferir Procópio: | ||
Prefere a morte, de dor e desgosto | ||
E sê segura, não lhe falta muito. | ||
Como te falta a grandeza do justo | ||
A confessares ao marido um crime, | 775 | |
Confessa pelo menos a teus filhos, | ||
Para que el ódio non siga à tristeza | ||
Das almas altas traídas sem causa. | ||
Fala, mamãe, que se passa entre vós? | ||
| ||
Aman. | Vejo com gosto a mulher valorosa | 780 |
Que meu exemplo formou em teus atos. | ||
Mas o exercício de oratória, filha, | ||
Podes guardar para um melhor ensejo: | ||
Grandiloquência jamais impressiona! | ||
Entre Rogér e mim não houve nada | 785 | |
Além de apreço, amizade e respeito. | ||
| ||
Patríc. | E a mentirada tuā nos engana? | |
Ainda insistes na mesma impostura? | ||
| ||
Aman. | Casa-te, cala-te e logo saberás! | |
Esta revolta que mostras non cabe. | 790 | |
Ocorrem casos na vida em casal | ||
Que não consegues entender ainda. | ||
Teu pai teria orgulho do que dizes | ||
E de como respeitas sua imagem: | ||
Porém a esposa aqui nò é Patrícia. | 795 | |
Nunca busquei de meu pai companhia | ||
Que apenas coube à minha própria mãe. | ||
Son sentimentos e papéis distintos | ||
O duma filha boa e duma esposa: | ||
Cuida da tua vida e não da minha. | 800 | |
E quanto a mim, teu pai permite queu | ||
Possa entreter em paz algum amigo. | ||
| ||
Maur. | Então agorè nossa el oratória? | |
| ||
Patríc. | Tanta amizade faz cair meu queixo! | |
| ||
Aman. | Chegou bem longe, gente, a palhaçada | 805 |
E vou ficando aos poucos enfadada. | ||
Que mal no mundo Rogério te fez, | ||
Um homem de orações e tão pacato? | ||
Deixar em paz è melhor que odiar | ||
Sem ter certeza da culpa increpada. | 810 | |
Nò é virtude ouvir atrás de portas | ||
Nem construir histórias de tais fontes. | ||
| ||
Patríc. | É, Maurício, mamãe quer me obrigar | |
A comprovar que mente e vai mentindo. | ||
Confessa, Amanda, ou provaremos tudo! | 815 | |
| ||
Aman. | Não me ameaces como criminosa. | |
Onde se viu um desrespeito desses? | ||
Estou ficando louca ou transtornada! | ||
Depois da cara de Maurís inchada | ||
Terei de inchar a tua, mentirosa? | 820 | |
Proíbo ambos de ofender Rogério! | ||
A voz da vossa hipocrisia espanta. | ||
| ||
Maur. | Péssima atriz! | |
| ||
Aman. | A mão me ferve ainda, | |
Menino, toma cuidado, respeito! | ||
Ator ès tu que frequentas teatro | 825 | |
E os baixos antros da vulgaridade. | ||
Eu bem que sei o que trazes ao lar | ||
E as perdições de tais sociedades. | ||
Palco, meu filho, è lugar de palhaço, | ||
A verdadeira vida tens em casa. | 830 | |
| ||
Maur. | Diz a mulher que non viu uma peça! | |
Conhecimento de causa esclarece. | ||
| ||
Aman. | Deus me defenda de entrar num teatro! | |
A decadência moral deste mundo | ||
Ali chegou foi longē. É por isto | 835 | |
Que Rogér ilumina nossa casa. | ||
É por isto que ator e nem artista | ||
Jamais entrou no Hall da Salvação, | ||
Nem pode, pois ali sò cabe santo. | ||
| ||
Maur. | Falou lo grande papa d’arte cênica, | 840 |
Autoridade mundial no assunto. | ||
| ||
Aman. | Issè coisa de porco e baixaria! | |
Meu filho! Olha bem na minha cara | ||
E diz se dessa cambada de gente | ||
Alguém prestou! A pessoa direita | 845 | |
Não se mistura nunca coesse tipo. | ||
Non falta um ato errado pelo mundo | ||
Que não se tenha assistido num palco! | ||
| ||
Patríc. | E pelo jeito, Amanda, só fogueira | |
Resolve então, bonita a digressão! | 850 | |
Como se fosse menos farsa e palco | ||
Viver na própria casa a própria peça: | ||
A mentirosa encenando a santinha. | ||
| ||
Aman. | Rogo somente um pequeno favor, | |
Queridos filhos, antes que me cale. | 855 | |
Não cogiteis trazer as cenas tristes | ||
Que pelos palcos vedes a meu lar! | ||
Julgai de vós se um homem respeitoso | ||
Como Procópio fora ver cenários! | ||
É de decêns esta casa e será! | 860 | |
| ||
Patríc. | Decência, mãe, è dizer a verdade | |
Em vez de apenas perverter o assunto. | ||
Ou queres ver virtude em perversão? | ||
| ||
Aman. | Nò é de meu dicionár este termo! | |
Em casa minha nada se perverte. | 865 | |
Aqui se vive como diz Rogério, | ||
Porque repito: Rogér ilumina! | ||
Mas vou curar a vossa má vontade: | ||
Deusdete, escuta, traz o copo d'água. | ||
Mas que diabo essa mulher apronta? | 870 | |
Maurício, pega esse copo na estante, | ||
Pega depressa, toma esta garrafa, | ||
Enche com água, põe logo na mesa! | ||
Isto, meus filhos, sentai-vos aqui. | ||
| ||
Maur. | Agora, mãe? Agora estou sem tempo. | 875 |
| ||
Aman. | Calado! Quero ouvir da tua boca, | |
Promete e reza, menino, e repete: | ||
Non ponho mais o pé num mau teatro. | ||
Teatro bom è teatro fechado! | ||
Pois é, Maurís, a verdade castiga | 880 | |
Mas é reméd e remédio que cura. | ||
Rogério mandou, repete comigo: | ||
Eu abandono esta vida devassa! | ||
Fala, menino! | ||
| ||
Maur. | Abandono, claro! | |
| ||
Aman. | Agora podes ir, e tu, Patrícia, | 885 |
Toma vergonha na cara e te apruma | ||
Como Rogério todo dia ensina. | ||
| ||
Maur. | E com certeza, mamãe! | |
| ||
Aman. | Muito bem, | |
Nò é de mim que rirão as plateias! | ||
Eu saberei mostrar ao mundo inteiro | 890 | |
Quem orienta a minha casa e como. | ||
Ide, meus filhos, e sede orgulhosos | ||
Da mãe que tendes. Mudai vosso modo! |
O Caso de Amanda |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Proc. | Cão, celerado, canalha, malvado, | |
Sai desta casa, ingrato, vai-te embora! | 895 | |
| ||
Patríc. | Papai, acalma-te! | |
| ||
Proc. | Calma, Patrícia? | |
Este infeliz difama a própria mãe! | ||
| ||
Maur. | Spera um momento! | |
| ||
Proc. | Calado, Maurício! | |
Some do alcance meu, a mão lateja | ||
Prestes ao ato extremo contra ti! | 900 | |
| ||
Maur. | Injusto! Tanto apreço tens por nós | |
Que dás valor à farsa de Rogério | ||
Mais que aos nossos olhos? | ||
| ||
Patríc. | Deixa, Maurício! | |
| ||
Maur. | Explica, pai, que tremenda macumba | |
Enfeitiçou teus olhos a tal ponto! | 905 | |
| ||
Proc. | Queres morrer aos golpes deste punho? | |
Non falta muito e te puno a malícia! | ||
| ||
Patríc. | Matar um filho em nome de impostores? | |
| ||
Proc. | Manchar o nome dum homem ordeiro | |
Não se permite no lar que domino! | 910 | |
| ||
Patríc. | È pois o teu, papai, que se desonra. | |
Onde se viu que um pai punisse os filhos | ||
Quando disseram somente a verdade? | ||
| ||
Proc. | Para, Patrícia! Por que me torturas? | |
Issè calúnia destemida e grave: | 915 | |
O justo chora frente a tanta indústria | ||
Contra um ministro dos céus difamado! | ||
| ||
Maur. | Eis o pior enganador do mundo! | |
Abre teus olhos, Procópio, por Deus! | ||
| ||
Patríc. | Assim se porta um cristão ante os filhos? | 920 |
Foi tão profundo esse nosso pecado? | ||
| ||
Proc. | È muita inveja que vive nas almas, | |
Meus próprios filhos perseguindo santos: | ||
A que desgraça chegastes, pequenos! | ||
Mas não penseis que tam logo me iludo: | 925 | |
Conheço a podridão do vosso peito. | ||
| ||
Patríc. | Houve muitos ministros nesta casa! | |
Quando foi que jamais disseminamos | ||
Alguma intriga contra quem que fosse? | ||
| ||
Maur. | Non sei dizer se foi pior ofensa | 930 |
Na presunção que ouvimos ou no inferno. | ||
| ||
Proc. | È para lá que os teus caminhos levam! | |
| ||
Maur. | E vêm de lá os ladrões que te iludem! | |
| ||
Proc. | Os invejosos filhos deste lar! | |
| ||
Maur. | E a presunção dalgum desavisado! | 935 |
| ||
Patríc. | Tam pouco crédito teu merecemos? | |
Tanto desgosto quase até me mata! | ||
| ||
Proc. | Teu coração è mais forte que o meu! | |
| ||
Patríc. | Permite ao menos que agora expliquemos, | |
Papai, o caso imoral que se passa em casa. | 940 | |
| ||
Proc. | Filhinhos meus, tende enfim piedade. | |
Nò há recurso que eviteis usar! | ||
Por que me torturais com tal mentira? | ||
| ||
Maur. | È piedade o que temos, Procópio! | |
| ||
Proc. | Conheço os rumos deste mundo impuro | 945 |
E tradições terríveis que se passam. | ||
Os adultérios carecem de dois! | ||
Conheço Amanda como o próprio peito | ||
E suspeitar dum farsante Rogério | ||
Fora também suspeitar duma santa! | 950 | |
Permitirei de vós tamanha audácia? | ||
Se vos faltou respeito à própria mãe, | ||
Defenderei quem amo até la morte! | ||
| ||
Maur. | Entre os vizinhos circulam rumores | |
E pelos vãos de escadas e das ruas | 955 | |
Soa teu nome a brados, altos risos. | ||
Com quanto viço vingar a vergonha | ||
Se è verdadeira a causa da conversa? | ||
| ||
Proc. | Por que te importas com voz de vizinhos? | |
Em vão proclamem o quanto quiserem! | 960 | |
Issè cambada de gente invejosa: | ||
Correm atrás do meu dinheiro apenas, | ||
Enlouquecidos por ganho e migalhas. | ||
Mas não! Tam logo percebem quem sou | ||
Propagam pelo mundo tal mentira! | 965 | |
| ||
Maur. | Isto eu entendo, mas o que non sei | |
È como deste a Rogér uma igreja | ||
Mais cara que um produto interno bruto! | ||
| ||
Proc. | Terminará em tragédia o debate | |
Se não calares a boca, maldito! | 970 | |
Amanda nunca pudera trair-me. | ||
| ||
Patríc. | Será preciso que um falso profeta | |
Destrua a paz de toda uma família? | ||
Difícil crer que vejo um pai prudente | ||
Ameaçar de tal maneira um filho! | 975 | |
| ||
Maur. | Não te incomodes com isto, Patrícia, | |
Prefiro a morte a permitir um crime, | ||
Grosseiro golpe que Rogér emprega... | ||
| ||
Proc. | Queres de fato que um farto revólver | |
Resolva o caso? Dou-te quatro horas: | 980 | |
Deixa esta casa e non tornes jamais! | ||
| ||
(grave silêncio) | ||
| ||
Maur. | È dura a ordem, mas clara! Adeus! | |
| ||
Patríc. | Spera, Maurício! Perfeito, papai: | |
E se provarmos que foste traído? | ||
| ||
Proc. | Provar que o demo iludiu vosso orgulho? | 985 |
Não conheceis os cruéis artifícios? | ||
| ||
Patríc. | Apenas fala! Podemos provar-te? | |
| ||
Maur. | É de Patrís o plano, estou calado! | |
| ||
Proc. | Nò há sentido algum em tanto engenho: | |
Conheço os santos ambos que acusais. | 990 | |
Mas como queira melhor demonstar | ||
O erro torpe que perde os impuros, | ||
Quero assitir tamanha palhaçada! | ||
A condição contudè muito clara: | ||
Quero encerrar o caso em poucas horas. | 995 | |
Caridoso demais eu sou, filhinhos, | ||
Porquanto um pai de respeitoso império | ||
Já vos tivera punido e com força. | ||
È pena grave e raramente vista | ||
A melhor paga contra mentirosos: | 1000 | |
Amandè vossa mãe, Amandè santa! | ||
| ||
Patríc. | Prepara o peito e pratica modéstia: | |
As ilusões desmascaradas doem! | ||
| ||
Proc. | Passado o tempo que a prudência reza, | |
Se não puderdes provar a impostura | 1005 | |
Parti de casa. Covil de bandidos | ||
Aguarda os desbocados, entendido? | ||
| ||
Patríc. | Assim faremos, papai! Pouco tempo, | |
Não carecemos de muito e verás. | ||
| ||
Proc. | Ouvi-me bem, que me faça distinto: | 1010 |
Provai os casos ou deixai a casa. | ||
Jà suportei por demais insolência! | ||
| ||
Maur. | Posso falar? | |
| ||
Proc. | Fala então, miserável! | |
| ||
Maur. | Guarda o revólver, pai, a sete chaves, | |
Porque senão perderás o controle | 1015 | |
Em poucas horas: Teus olhos verão! | ||
| ||
Patríc. | Ouve, papai! | |
| ||
Proc. | Ao diabo convosco! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Deus. | Cristo nos céus, que foi que aconteceu? | |
Que rosto tristè este, quem morreu? | ||
| ||
Maur. | Ninguém ainda, mas non falta muito, | 1020 |
O casè serio, de vida ou de morte! | ||
| ||
Deus. | Mas que exagerè este? | |
| ||
Patríc. | Foi Procópio! | |
| ||
Deus. | Que lhe passou na mente? | |
| ||
Maur. | Minha morte! | |
| ||
Deus. | Como foi isto? | |
| ||
Patríc. | Non vi com meus olhos | |
Como acabou de ameçar de morte | 1025 | |
O próprio filho? | ||
| ||
Maur. | È tudo verdade! | |
| ||
Deus. | Procóp è homem de muito dizer... | |
| ||
Maur. | È pouco o tempo que resta, Deusdete. | |
Papai mandou-me embora desta casa! | ||
| ||
Deus. | Nò é possível! | |
| ||
Patríc. | A non ser que prove. | 1030 |
| ||
Deus. | Provar o quê? | |
| ||
Patríc. | Não te faças de boba! | |
E quem non sabe do caso entre dois | ||
Despudorados entre abraço e beijo? | ||
Amor devasso, inusitadas juras! | ||
| ||
Deus. | Falais de Amanda... | |
| ||
Patríc. | Também de Rogério, | 1035 |
E do elemento mau que os acoberta! | ||
| ||
Maur. | Se tens apreço algum por vida minha, | |
Cara Deusdete, è tempo de agir. | ||
| ||
Deus. | Mas que fazer? | |
| ||
Patríc. | Dizeres quanto sabes! | |
| ||
Maur. | Sem mais delonga! Quando o novo encontro? | 1040 |
| ||
Deus. | De qual encontro falais, que non sei? | |
| ||
Maur. | Quanta inocência! | |
| ||
Deus. | Mas o que queísso? | |
Eu sei o quê dessa embrulhada toda? | ||
Desses encontros nunca ouvi falar! | ||
Insinuar que uma pobre empregada – | 1045 | |
| ||
Maur. | Insinuamos não, sabemos! Fala! | |
Que horas vem Rogério ver mamãe? | ||
| ||
Patríc. | Somente tu no-lo podes dizer: | |
Toma vergonha na cara e responde. | ||
| ||
Deus. | Como dizer o que non sei, meninos? | 1050 |
È muito injusta a vossa acusação! | ||
| ||
Maur. | Desejas mesmo que papai me mate? | |
| ||
Deus. | Não coloqueis palavra em minha boca! | |
Sò quero trabalhar em paz e pronto: | ||
Nem de almoçar Deusdete teve tempo. | 1055 | |
| ||
(começa a descascar uma banana) | ||
| ||
Patríc. | Era bom se coubesse só comida | |
Mesmo na boca. Mas não, cabe mais: | ||
È cada intriga rolando na língua | ||
E até silêncio certas vezes mata. | ||
Sõ estas coisas e ainda piores | 1060 | |
Que cabem muito fundo numa boca. | ||
| ||
Deus. | Opa, filosofou bonito a jovem: | |
Faltou citar o falso testemunho | ||
Quando se acusa de crimes o inocente! | ||
A pessoa caladè quem mais sofre. | 1065 | |
| ||
Maur. | Cuidado, alguém vem vindo! Quem? Rogério? | |
| ||
Patríc. | Calma, Maurício, trata bem o traste! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Rogér. | Que falatór è este, minha gente? | |
É de respeito e de paz esta casa! | ||
Ah! Tenha dó, Deusdete, já lhe disse: | 1070 | |
Cubra coa mão a banana, repito! | ||
| ||
Deus. | Quanto pudor e quanta castidade! | |
Assim se faz, meus queridos, mirai! | ||
| ||
(põe a mão na frente ao dar a mordida) | ||
| ||
Rogér. | Não se diverta assim de meu conselho! | |
Você concebe o pecado que passa | 1075 | |
Na mente insana dum homem devasso? | ||
Melhor non dar motivo a maus intentos! | ||
| ||
Patríc. | Isto mesmo, Deusdete, nesta casa | |
Cada um se comporta com decência! | ||
Escuta o bispo, obedecer è bom! | 1080 | |
| ||
Rogér. | Assim se diz, Patrícia, fico alegre | |
Ao ver que alguém deseja a salvação. | ||
Estava bem receoso, confesso, | ||
Quanto à virtude tua e de Maurício. | ||
Deus è que sabe quanto mau olhado | 1085 | |
Existe por aí contra inocentes! | ||
Mas menina, palavra não me basta: | ||
Bajulação jamais me convenceu! | ||
| ||
Patríc. | Não, Rogério, tudo o que recomendo | |
E digo vem do coração somente. | 1090 | |
| ||
(silêncio) | ||
| ||
Maur. | Muito labor? | |
| ||
Rogér. | Eu que o diga, meu filho! | |
| ||
Maur. | E quanto à construção do novo templo, | |
Do Hall da Salvação? | ||
| ||
Rogér. | Pois nem me fales, | |
Aquilo ali non termina tam cedo. | ||
Nem quero entrar em detalhes, menino, | 1095 | |
Do quanto custa um trabalho daqueles: | ||
Eu vejo os preços e fico abismado. | ||
| ||
Maur. | Que lastimável! Que fazer agora? | |
| ||
Rogér. | Por favor, nem comentes a Procópio | |
Tanto temor que vem me angustiando. | 1100 | |
Teu pai è bom mas tudo tem limite, | ||
Porque se aproveitar dum generoso | ||
Nada mais é, rapaz, que covardia. | ||
| ||
Patríc. | Queísso, caro Rogério? | |
| ||
Rogér. | Non posso! | |
Procópio já doou demais, Patrícia! | 1105 | |
Não me permito explorar um amigo. | ||
| ||
Patríc. | Mas que besteira! | |
| ||
Maur. | Esta casè tua! | |
| ||
Rogér. | Melhor nem discutir um tal assunto. | |
Deusdete, dê por favor um recado: | ||
Amanda insiste em conversar comigo. | 1110 | |
Parece urgente e cancelei por isto | ||
Um punhado de encontros lá na igreja. | ||
| ||
Deus. | (para si) Uma palavra e tudo está perdido! | |
| ||
Rogér. | Jà confirmei: Retorno às três, avise... | |
| ||
Deus. | Valha-me Deus! | |
| ||
Patríc. | Mas queque foi, Deusdete? | 1115 |
| ||
Deus. | Rogér, Amanda adoeceu, non pode. | |
| ||
Maur. | Mas que queísso, filha, desde quando? | |
Mamãe se alegra de tanta saúde. | ||
Não acabei de vê-la? | ||
| ||
Patríc. | Eu também! | |
| ||
Rogér. | Que lhe sucede na mente, Deusdete? | 1120 |
| ||
Maur. | Fica à vontade, saïremos logo. | |
| ||
Patríc. | Antes das seis papai non volta à casa. | |
| ||
Rogér. | Que prestimosos sois! Vamos, Deusdete, | |
Temos alguns assuntos de interesse... | ||
| ||
Deus. | O que tiver que ser, senhor, que seja! (saem.) | 1125 |
| ||
Patríc. | Busca papai! | |
| ||
Maur. | È āgora ou jamais! (saem.) | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Proc. | Por que me chamas? | |
| ||
Patríc. | Os céus nos ajudam! | |
| ||
Maur. | Chegou la hora das provas cabais! | |
| ||
Proc. | Mas eu sabia que aqui maquináveis! | |
| ||
Patríc. | O planè simples demais de cumprir. | |
| ||
Maur. | Logo entrarão nesta sala os amigos... | 1130 |
| ||
Patríc. | Enfim verás que poderosos laços | |
Hão reunido Rogér e mamãe. | ||
| ||
Maur. | E julgarás por ti mesmo o teor | |
Das uniões que os céus abençoaram. | ||
| ||
Proc. | Faço questão de estar, de ouvir e ver, | 1135 |
E punirei los culpados que forem. | ||
Mas onde estão? | ||
| ||
Patríc. | Chegando já, cuidado! | |
| ||
Proc. | E donde os posso ver? | |
| ||
Maur. | Spera um momento! | |
| ||
Proc. | Será possível? Amanda e Rogério! | 1140 |
| ||
Patríc. | Ouvi as vozes! | |
| ||
Maur. | Os passos! | |
| ||
Proc. | Sõ eles? | |
| ||
Patríc. | Scondei-vos já num canto, cada qual! | |
| ||
Proc. | Meus filhos, onde... | |
| ||
Maur. | Calado, papai! | |
| ||
Patríc. | Onde um armário? | |
| ||
Maur. | Cuidado! | |
| ||
Patríc. | A mesa! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Deus. | Valha-me Deus, Amanda, todo mundo | 1145 |
Está sabendo já do vosso encontro! | ||
| ||
Aman. | Que tolice, Deusdete, por favor! | |
Maurício tem um compromisso sério | ||
Na faculdade e tam cedo non volta. | ||
Patrícia agora sò vive, menina, | 1150 | |
Em função do namoradinho novo. | ||
Aqui non tem ninguém e nem Procópio. | ||
Por que temer? | ||
| ||
Deus. | Non sei dizer direito. | |
Não me parece seguro o negócio: | ||
Toma cuidado aí coestas paredes. | 1155 | |
| ||
Aman. | Deixa de tanta palhaçada, amiga! | |
Ninguém me viu, ninguém ouviu nem sabe. | ||
| ||
Deus. | Depois non digas que fui desatenta! | |
| ||
Aman. | E quanto às cartas, encontraste alguma? | |
| ||
Deus. | Procópio guarda um museu na maleta, | 1160 |
| ||
(mostra a mesa, sob a qual estão a maleta e Procópio) | ||
| ||
Cada bagulho estranho, até me assusto. | ||
Sabes que até ingressos de teatro | ||
Pude encontrar na papelada solta? | ||
| ||
Aman. | Quê? Verdade ou gozação? | |
| ||
Deus. | È verdade! | |
| ||
Aman. | Sò me interessa saber... | |
| ||
Deus. | Se encontrei! | 1165 |
Non vi nenhum vestígio de bilhete, | ||
Correspondência, mensagens e cartas. | ||
Esse Procópio, minha amiga, è bicho | ||
De muito bom talento, esconde tudo: | ||
Eu nunca vi na vida coisa dessas! | 1170 | |
| ||
Aman. | Eu que o diga, amiga, conheço a peça. | |
O que quero saber è que mulher | ||
Está mandando cartas a Rogério! | ||
| ||
Deus. | Mas cuidado com tanta paranoia: | |
Quem sabe, pode ser que seja apenas | 1175 | |
Uma fiel precisando de ajuda. | ||
| ||
Aman. | Sei muito bem da ajuda de Rogério, | |
E neste pontè demais generoso. | ||
Basta um apelo maior a seus olhos | ||
E o corpo inteiro, filha, pega fogo. | 1180 | |
| ||
Deus. | Tem paciência! | |
| ||
Aman. | Que fácil falar! | |
| ||
Deus. | Que mais dizer? | |
| ||
Aman. | Dir-lhe-ei que detesto | |
Correspondência de mulheres loucas | ||
Que em casa minha vejo acumular-se! | ||
Era melhor se de fato eu soubesse | 1185 | |
Em que buraco as cartinhas se escondem: | ||
Mas mesmo sem saber eu sei de tudo! | ||
| ||
Deus. | Pois Procóp è pior que ratazana: | |
Esconde queijo e coisa em cada toca | ||
Que até quem sabe fica transtornado. | 1190 | |
| ||
Aman. | Estè Procópio. | |
| ||
Deus. | Eita maridão! | |
| ||
Aman. | Mas de hoje non passa e não sossego | |
Até dizer na cara de Procópio: | ||
Mande parar essa perseguição | ||
De condenadas contra meu amigo! | 1195 | |
| ||
Deus. | Mas que ruídè este? | |
| ||
Aman. | É Rogério? | |
| ||
Deus. | Seguramente! Vou-me logo embora! | |
| ||
Aman. | Fica, Deusdete, preciso de ti. | |
Escuta bem a conversa e dirás | ||
Que confiança o cachorro merece! | 1200 | |
| ||
Deus. | Mas minha amiga, que queres de mim? | |
| ||
Aman. | Sconde-te já, debaixo da mesa! | |
| ||
Deus. | Mas onde, aqui? Perfeito, vamos ver! | |
| ||
(debaixo da mesma mesa está Procópio. | ||
Deusdete o reconhece e tanta fugir, | ||
mas Procópio tapa-lhe a boca e segura-a.) | ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Aman. | Não te aproximes de mim, ordinário! | |
| ||
Rogér. | Mas queque foi, delícia, fala logo! | 1205 |
| ||
Aman. | Inda perguntas, inda tens coragem? | |
Tudo acabou, eu sei, jamais me engano. | ||
Quanto mais o meu peito te deseja | ||
Mais enlouqueço, tu porém desprezas | ||
O meu amor: Mata-me então, Rogério! | 1210 | |
Será melhor que tanta humilhação: | ||
Eu mal te vejo e já me tremo inteira, | ||
Meu corpo incendiado te pertence. | ||
Mas já me sinto morrer de desgosto, | ||
Mal amada que sou dum mau amante! | 1215 | |
Não te incomoda uma vida em ruína? | ||
Só de pensar nas tuas mãos macias | ||
Por toda a minha carne desfaleço, | ||
Desmaio relemenbrando tantos beijos! | ||
Foi muito longe o teu golpe, Rogério. | 1220 | |
Olha os meus olhos! De nada te importa | ||
O que vive por trás destes espelhos? | ||
Agora que sou tua e tudo eu dei | ||
E muito mais darei que quero dar, | ||
Agora te aproveitas? Não me incluas | 1225 | |
À triste estirpe dessas tuās putas! | ||
Teu corpè meu, meu vasè todo teu! | ||
Domina, toma e possui, meu querido, | ||
O que ofereço e faz o que quiseres! | ||
Sò não me enganes mais e não me traias! | 1230 | |
| ||
Rogér. | Trair jamais, princesa de meus sonhos: | |
É de teu vaso doce e de teus olhos | ||
Que vou bebendo o fim do desespero. | ||
Julgaste mal e cedo condenaste: | ||
A tortura maior de minha vida | 1235 | |
È ver teu corpo e não poder tocar-te. | ||
Nem me provoques nem me desafies, | ||
Beleza, a demonstrar o meu desejo: | ||
A minha carne inteira está pulsando! | ||
Olha bem no meu corpo em qual estado | 1240 | |
A tentação do teu calor me deixa! | ||
| ||
Aman. | Queres queu creia num conto de fadas? | |
| ||
Rogér. | O meu amor sò conhece a verdade! | |
| ||
Aman. | Tantas vezes te disse, meu docinho: | |
Se um dia te cansares do meu fogo | 1245 | |
Avisa apenas – seremos amigos! | ||
Mas se meu fogo ainda te sacia, | ||
Delícia, vem, apaga! Teu desejo | ||
È meu também! Eu vejo como pulsa | ||
Na carne a tua espada, então reage: | 1250 | |
Lugar de espadè dentro da bainha! | ||
Derrama sobre mim tua afeição | ||
E pela minha pele espalha todos | ||
Os beijos que tiveres e carinho. | ||
Depois, repousa o rosto no meu colo | 1255 | |
E nossos corpos serão redimidos: | ||
O meu no teu abraço, o teu no meu. | ||
| ||
Rogér. | Quero o teu corpo! | |
| ||
Aman. | Minh alma também? | |
| ||
Rogér. | Amanda, em ti existe apenas um: | |
È corpo e alma o que desejo e tudo | 1260 | |
Mais que puder de teu, amor eterno! | ||
Non passa um dia sem que me pergunte | ||
Em que momento estaremos sozinhos. | ||
Non penses mal jamais de meu desejo: | ||
A belezè divina e divindade | 1265 | |
São teus olhos e seios, tuas pernas, | ||
Cada pedaço um motivo de gozo. | ||
Amor e deusa, non posso esperar: | ||
Se è verdadeiro o fogo que te come, | ||
Vem-te beber daquele mel gostoso | 1270 | |
Que apaga incêndio, mata sede e fome. | ||
A tuā vidè minha, ès minha dona! | ||
| ||
Aman. | Por que me iludes? | |
| ||
Rogér. | Por que me recusas? | |
| ||
Aman. | Eu me ajoelho, Rogér, e te peço, | |
Imploro até, adorando o teu corpo | 1275 | |
E cultuando como um deus ou templo: | ||
Vem aqui, vem me dar o que preciso! | ||
Eu só existo em função de ser tua | ||
E sendo tua eu sou escrava e dona. | ||
O amor que me condena me liberta! | 1280 | |
Usa sem medo o què teu e me pega | ||
E toca e bate: Faz o que quiseres, | ||
Amor, contanto que mē ames sempre! | ||
| ||
Rogér. | Como tē amo, mulher! | |
| ||
Aman. | Meu querido! | |
| ||
Rogér. | Vamos falar apenas d’alegrias. | 1285 |
| ||
Aman. | É de teus braços que as busco! | |
| ||
Rogér. | Amanda! | |
| ||
Aman. | Diz que me amas! | |
| ||
Rogér. | Duvidas ainda? | |
| ||
Aman. | Preciso ouvir o mais claro possível | |
Até que ponto o teu amor se estende. | ||
| ||
Rogér. | Tu és um anjo dos céus que me salva. | 1290 |
| ||
Aman. | Presente mais divinè tua carne, | |
Mesmo teu sopro me preenche toda! | ||
| ||
Rogér. | Quero passar, Amanda, a vida inteira | |
Dentro de ti: Começarei agora! | ||
| ||
Aman. | Mas não disseste ainda! | |
| ||
Rogér. | Que dizer? | 1295 |
| ||
Aman. | Se for verdade esse amor de que falas, | |
Fala, maldito: Que mulher è essa | ||
E que cartinhas essas que te manda? | ||
| ||
Rogér. | Queísso! | |
| ||
Aman. | Diz, infeliz, pelos céus! | |
| ||
Rogér. | Mas nunca ouviste falar na pessoa: | 1300 |
Não persigas, Amanda, uma coitada! | ||
| ||
Aman. | Seja, querido! Confessa-me apenas | |
Que sou a única amada em teu peito: | ||
Diz que me queres acima de tudo. | ||
| ||
Rogér. | Amo-te, Amanda, por ti morrerei! | 1305 |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
(saltam do Armário Maurício e Patrícia) | ||
| ||
Maur. | Morre, maldito, jà passa da hora! | |
| ||
(saem Procópio e Deusdete de sob a mesa) | ||
| ||
Traz o revólver, Patrícia! | ||
| ||
Rogér. | Queísso? | |
| ||
Aman. | Misericórdia! | |
| ||
Deus. | Separa! | |
| ||
Patríc. | Cuidado! | |
| ||
Rogér. | Socorro! | |
| ||
Proc. | Que vejo? | |
| ||
Aman. | Nò é possível! | |
| ||
Maur. | Dois ordinários pegos em flagrante! | 1310 |
| ||
Patríc. | Nò é profundo, papai, este amor? | |
| ||
Rogér. | Calma, eu me explico... | |
| ||
Maur. | Melhor te calares! | |
Traz o maldito revólver, Patrícia, | ||
Senão eu mato este canalha agora | ||
Com pancada na cara e tudō: Anda! | 1315 | |
Estou fora de mim. E tu, Procópio, | ||
Queque foi, calaste a boca por quê? | ||
Será que o gato comeu tuā língua? | ||
| ||
Proc. | Mas que situação! Agora entendo! | |
| ||
Patríc. | Pois é, papai, e que dizer da mártir, | 1320 |
Desta mulher tam pura e coitadinha? | ||
Estava até chorando pelos pobres! | ||
Quem te viu, Dona Amanda, quem te vê! | ||
Desculpa aí se interrompi momentos | ||
De muito amor: »Son tantas emoções!« | 1325 | |
| ||
Maur. | Quero acabar de vez coesse Rogério. | |
| ||
Deus. | Valha-me Deus! | |
| ||
Proc. | Silêncio nesta casa! | |
| ||
Rogér. | Faltam palavras, meu caro Propócio... | |
| ||
Proc. | Faltam palavras? | |
| ||
Patríc. | Pois faltè vergonha! | |
| ||
Maur. | Quando se pega em flagrante, papai, | 1330 |
Pode matar os dois, a lei permite: | ||
É preciso vingar este adultério! | ||
| ||
Aman. | Tem piedade, esposo meu, de nós! | |
| ||
Maur. | Non dou nenhum ouvido a choradeira, | |
Non quero nem saber de gritaria. | 1335 | |
Mata logo, Procópio, mete bala | ||
Nos dois, enterra no meio da cara! | ||
| ||
Patríc. | Sai desta casa, Rogério, por Deus! | |
| ||
Aman. | Sai, meu amigo, salva a própria vida. | |
| ||
Maur. | Estou ficando louco, gente, ou surdo? | 1340 |
Age, Procópio, toma uma atitude | ||
Ou sai daqui! Eu matarei Rogério | ||
Se for preciso a sós: Decide logo! | ||
| ||
Proc. | A decisão foi tomada, Maurício! | |
Toma vergonha nesta tuā cara, | 1345 | |
Arruma teu farrapo e vai-te embora! | ||
Corre de mim, que non quero punir | ||
Os teus pecados com bala na cara. | ||
A paciência minha se acabou! | ||
| ||
Maur. | Que dizes? Eu? | |
| ||
Proc. | Você, seu vagabundo! | 1350 |
| ||
Patríc. | Maurício fez o quê? Quanta injustiça! | |
| ||
Proc. | Depois de tanto nojo e palhaçada | |
Posso falar finalmente? Silêncio! | ||
| ||
(grave silêncio) | ||
| ||
Eu nunca duvidei que nesta casa | ||
Alguèm quer me trair e faz è tempo. | 1355 | |
Em tanto falatór eu percebia | ||
Quanta maquinação se preparava. | ||
Agora sei, agora ouvi quem era | ||
O traïdor que enganava meus filhos. | ||
Satanás perverteu meu lar inteiro! | 1360 | |
Encenou nesta sala um adultério | ||
Imaginár e falso entre Rogério | ||
E minha esposa! | ||
| ||
Patríc. | Deus dos céus! | |
| ||
Proc. | Pois é, | |
Minha filha, a verdade te confunde? | ||
E digo mais, o nosso casè sério: | 1365 | |
Satã se aproveitou dum lar ingênuo | ||
Para inspirar ardis em nossa mente, | ||
Desconfiança entre amigos, inveja. | ||
Foi assim que nos trouxe nesta sala | ||
Perante um palco, uma cena impossível! | 1370 | |
Ele ousou inventar este adultério: | ||
Um gesto ingrato do qual minha esposa | ||
Non foi capaz jamais, e nem Rogério! | ||
| ||
Maur. | Ès tu que deverei matar, papai? | |
A sala inteira viu este adultério! | 1375 | |
| ||
Proc. | Ah é? Então confias mesmo em tudo | |
Que vês e já non sabes mais de quanta | ||
Coisa o demôn è capaz de inventar? | ||
Inventa som, inventa cor e vulto! | ||
Non sejas tão ingênuo! Quando foi | 1380 | |
Que um ser humano sér e respeitável | ||
Confiou numa cena tão grotesca? | ||
É montagem barata e cachorrada | ||
E punição, meu filho, a teu orgulho: | ||
Tenho vergonha e compaixão por ti | 1385 | |
Que crês nos olhos mais que na razão! | ||
| ||
Maur. | Meu pai, Rogér està rindo de ti, | |
Mamãe também! Não me venhas dizer... | ||
| ||
Proc. | Que tenho muito a dar aos três de vós: | |
Aos desviados cabem penas graves. | 1390 | |
Começarei contigo, minhā filha! | ||
Entra no quatro e fecha bem a porta: | ||
Quatro semanas passarás trancada! | ||
Quanto a você, Deusdete faladeira, | ||
A minha esposa já sofreu demais: | 1395 | |
Tome seus trapos e deixe esta casa. | ||
| ||
Deus. | Eu? Como assim? Procópio, piedade, | |
Foi Satanás que enganou seus ouvidos! | ||
| ||
Proc. | Cale-se já! Vá-se embora, cretina! | |
| ||
Maur. | Sò falta agora Rogério, papai! | 1400 |
| ||
Proc. | O que faltès apenas tu, maldito: | |
Sai desta casa, rua, delinquente! | ||
Sai se non queres sentir em teu corpo | ||
A sevícia do justo: Meu revólver | ||
Vai pôr na tua cara o que mereces! | 1405 | |
| ||
Aman. | Vai-te, Maurício, por Deus poderoso. | |
| ||
Maur. | Deixa-me em paz e non fales comigo! | |
| ||
Proc. | Ir ou morrer! | |
| ||
Maur. | Conseguiste, Rogério. | |
| ||
Patríc. | Calma, Maurício! (sai com Maurício.) | |
| ||
Proc. | Quanto a ti, Deusdete... | |
| ||
Deus. | Peço perdão, Procópio, pelo erro. | 1410 |
Nò é preciso insistir, entendi: | ||
Eu vou-me embora e jamais me verá. | ||
| ||
Aman. | Deusdete estava só me obedecendo: | |
Ela merece um pouco mais de amparo! | ||
| ||
Rogér. | Procópio, meu amigo, piedade... | 1415 |
| ||
Proc. | Tarde demais! | |
| ||
Deus. | Adeus! | |
| ||
Aman. | Spera, Deusdete! (saem.) | |
| ||
Proc. | Agora sim se edifica esta casa! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
(longo silêncio.) | ||
| ||
Proc. | E como vai o Templo? | |
| ||
Rogér. | Muito bem! | |
| ||
(silêncio.) | ||
| ||
Proc. | Mas... | |
| ||
Rogér. | Quando... | |
| ||
Proc. | Quem... | |
| ||
Rogér. | A verdadè queu non... | |
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(silêncio.) | ||
| ||
Proc. | A nova caixa de vinhos chegou. | 1420 |
| ||
Rogér. | Fico feliz! Vinhos brancos ou tintos? | |
| ||
Proc. | Eu não imaginava que o demônio | |
Fosse capaz duma montagem dessas! | ||
| ||
Rogér. | Pois é, meu caro, sempre comentei: | |
Satanás è capaz de qualquer coisa! | 1425 | |
Mas mudemos de assuntō. Esse vinho... | ||
| ||
Proc. | Encomendei vinho tinto! | |
| ||
Rogér. | Perfeito! | |
| ||
(silêncio.) | ||
| ||
Proc. | A cena triste que aqui se passou | |
Terá ferido uma grande amizade? | ||
| ||
Rogér. | Seguramente não! Explicarei. | 1430 |
| ||
Proc. | Mas por favor, Rogério, nada expliques. | |
Eu è que devo explicação, de fato, | ||
Pelos meus filhos, escravos do demo: | ||
È juventude, moderna e sem modos. | ||
| ||
Rogér. | A tuā santidade me emociona! | 1435 |
| ||
Proc. | Uma coisa està certa, meu amigo: | |
Meu apreço por ti jamais se abala! | ||
Tenho uma nova carta, toma aqui! |
O Caso de Amanda |
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Deus. | A vidè esta, meu filho, a pessoa | |
Pensa que vai subir, ai ai, na vida | 1440 | |
E quando vê caiu bonito e feio: | ||
Pelo menos a mala de Deusdete | ||
È mala rasa e non pesa nas costas. | ||
| ||
Aman. | Non percas fé porque vou-te ajudar. | |
Quanto a meus filhos queridos porém, | 1445 | |
Convém esclarecer melhor o caso: | ||
Non quero ver Maurício pelo mundo | ||
Falando coisa, inventando mentira. | ||
Então parece que traí Procópio? | ||
Eu sei que o que se ouviu foi forte, | 1450 | |
Mas é somente a força da amizade. | ||
E se alguém duvidar, eu tenho provas | ||
De que Rogério ama, de verdade, | ||
Outra mulher, fiel que nem conheço. | ||
A verdadeira amante tem mandado | 1455 | |
Cada carta, meninos, que nem digo | ||
E digo mais: È Procópio que entrega. | ||
| ||
Patríc. | Tem homem desse tipo, fã de muitas, | |
E por favor, me poupes de detalhes: | ||
Jà foi bastante a baixaria hoje. | 1460 | |
De Rogér e seu gado e seu rebanho | ||
Non quero nem saber, Deus me defenda! | ||
| ||
Aman. | Pois a mulher à qual me referi, | |
Esta ganhou-lhe inteiro o coração. | ||
Nò há lugar para outra em seu peito. | 1465 | |
| ||
Maur. | Foi diferente a cena que assistimos. | |
È por milagre que aqui me supero, | ||
Dividindo no peito gargalhada | ||
E muito ódio: Eu quero um revólver! | ||
| ||
Aman. | Quanta injustiça me fazes, meu filho. | 1470 |
Desejo só provar o que te digo! | ||
| ||
Maur. | Mas onde estão as mensagens de amor? | |
| ||
Aman. | Excelente pergunta, e finalmente | |
Chegamos bem ao ponto: Lê-las-emos | ||
Em pouco tempo, Deusdete me ajuda! | 1475 | |
| ||
Deus. | Oche, menina, eu sei de nada disso? | |
Estou correndo, isso sim, de problema: | ||
A minha mala inclusive està pronta! | ||
| ||
Maur. | Bem lembrado, Deusdete, falta a minha: | |
Estamos juntos nesta expedição! | 1480 | |
| ||
Aman. | Pois eu quero que um raio me arrebente | |
Se estou mentindo, cambada de frouxos! | ||
| ||
Patríc. | Opa, que desespero e que bonito: | |
Que arranjo louco ilude o teu juízo? | ||
| ||
Aman. | Loucura não, querida, só verdade: | 1485 |
Volta mais tarde e saberás de tudo! | ||
| ||
Deus. | Deus è que sabe como encontrarão | |
Correspondência melhor escondida | ||
Que um cofre d’ouro no fundo do mar. | ||
| ||
Aman. | Encontraremos, istè coisa certa! | 1490 |
Vamos, gente, Procóp está nervoso, | ||
Some, Maurício: Volta pelas cinco! | ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Deus. | Mas Dona Amanda, como achar as cartas? | |
| ||
Aman. | Non faço ideia... | |
| ||
Deus. | Pelo amor de Deus! | |
| ||
Aman. | O que me importa è que o bispo me quer. | 1495 |
Que coisa linda as promessas de amor | ||
Que trocamos, amiga, e que tocante! | ||
Foi tudo tão profundo, comovente | ||
A força da emoção! Pois nem flagrante | ||
Abala duas vidas que se uniram | 1500 | |
N’alma e no corpo, bota corpo nisso! | ||
A nossa química passa, menina, | ||
E nem demôn impede o nosso fogo. | ||
| ||
Deus. | Como se teme Satã neste lar... | |
| ||
Aman. | As cartas são recurso provisório: | 1505 |
Vão acalmar e distrair os ânimos | ||
Até que o nosso plano se complete! | ||
| ||
Deus. | Oche, que planè esse, Dona Amanda? | |
| ||
Aman. | Pois nem te falo, ai, que maravilha: | |
Em pouco tempo, amiga, fugiremos! | 1510 | |
| ||
Deus. | Rogér e tu? Mas como? Para onde? | |
| ||
Aman. | Qualquer lugar distante desta amante! | |
Rogér eternamente nos meus braços. | ||
| ||
Deus. | Meu pobre emprego perdi duma vez! | |
Madame foge e fico aqui fodida. | 1515 | |
| ||
Aman. | Olha a boca, Deusdete! Acha as cartas! | |
A recompensa vai ser tão imensa | ||
Que nunca mais precisas trabalhar! | ||
| ||
Deus. | Non faças isto comigo, querida, | |
Eu sou de carnē osso, eu passo apuro! | 1520 | |
| ||
Aman. | Por isto mesmo, vai, decide logo! | |
| ||
Deus. | Muito dinheiro? | |
| ||
Aman. | Muito! | |
| ||
Deus. | Muito mesmo? | |
| ||
Aman. | Para uma vida inteira e muitas outras. | |
Irrecusável proposta, Deusdete! | ||
| ||
Deus. | Só de pensar eu fico arrepiada! | 1525 |
Mas este esposo teu è bicho astuto, | ||
Eu vasculhei a casa inteira em vão! | ||
| ||
Aman. | Arrepiada estou eu, condenada! | |
O desespero meu non tem tamanho. | ||
O tempo passa e non sei de meu rumo, | 1530 | |
Se devo crer em Rogér e fugir | ||
Ou se a perua seguirá conosco. | ||
A vidè dura e me acaba, menina. | ||
Se queres mesmo queu viva feliz, | ||
Acha estas cartas onde quer que for! | 1535 | |
| ||
Deus. | Para com isto, jà disse que quero | |
Ajudar, mas querer non basta não, | ||
Tem que poder, mulher, tem que saber. | ||
| ||
Aman. | Então descobre, jà passa da hora, | |
Arranja um jeito, inventa algum feitiço! | 1540 | |
Será, meu Deus, que neste mundo inteiro | ||
Só Satanás que consegue encontrar | ||
Esse cofre de cartas, criatura? | ||
| ||
(Deusdete gargalha de repente.) | ||
| ||
Que te divertes? Que risadè esta? | ||
| ||
Deus. | Deixa comigo e Satanás, amiga, | 1545 |
Viremos juntas extorquir Procópio! | ||
| ||
Aman. | Mas que queísso, que loucurè esta? | |
Non sei se estou gostando muito disto. | ||
| ||
Deus. | Cala a boca, menina, o planè bom: | |
Escuta e faz o queu disser, agora! | 1550 | |
| ||
Aman. | Fazer o quê? | |
| ||
Deus. | Fecha a casa inteirinha, | |
Janela, fresta, quero a sala escura. | ||
| ||
Aman. | Posso saber o que está se passando | |
Nessa tua cabeça, minha amiga? | ||
| ||
Deus. | Fecha a janela e vai chamar Procópio: | 1555 |
Um vulto apareceu aqui na sala! | ||
Deixa o tipão entrar sozinhō. Anda! | ||
Non tenho todo o dia, estou com pressa | ||
E Satanás também, agora ou nunca! | ||
| ||
(Deusdete fecha as janelas e sai às pressas.) | ||
| ||
Aman. | A escuridão me deixa amedrontada | 1560 |
E não me agrada este plano esquisito. | ||
Non tenho medo nenhum do demônio | ||
Mas o respeito e jamais me divirto. | ||
| ||
(olha ao redor e teme.) | ||
| ||
Procópio, corre, parece que vejo... | ||
Será verdade? Socorro, Procópio! | 1565 | |
Mas que situação, que desespero, | ||
E que diabos meu marido apronta? | ||
Será que o vulto está me perseguindo? | ||
Procópio, vem, Procópio, vem aqui! | ||
| ||
(sai chamando Procópio; silêncio.) | ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Proc. | Amanda, queque foi, cadê Deusdete? | 1570 |
Que sala escura, tem alguém aí? | ||
Istè lugar de assombração, acende | ||
A luz, ai, nem consigo ver direito! | ||
Fico abismado vendo coisa dessas: | ||
Tem gente aí pensando que sou bobo, | 1575 | |
Como se fosse possível Amanda | ||
E Rogério se amando aqui na sala! | ||
Fico espantado coa credulidade | ||
De meus filhos e tanta gente jovem. | ||
Comé que pode, imagina, Procópio | 1580 | |
Confiar numa imagem descabida? | ||
É que as pessoas non sabem, de fato, | ||
De quanta coisa o demôn è capaz. | ||
Mas nada disso espanta, comprēendo: | ||
Quando a pessoa perde o juízo | 1585 | |
Feito Maurício, Satã se aproveita! | ||
Patrícia, quando vejo, tenho dó, | ||
Deusdete nem se fala, ali foi feio. | ||
Tudo isso por fim atrai, atrai, | ||
Digam o que quiserem, mas atrai! | 1590 | |
Se todo mundo nesta casa ouvisse | ||
A pregação de quem è santo e bom, | ||
A tentação parava sem domora. | ||
Mas lar sem fé termina tudo assim: | ||
Do nada, o diā vira madrugada, | 1595 | |
A luz se apaga, assombração passeia. | ||
Lembro do vulto que outrora rondava | ||
O casarão de meu pai na fazenda. | ||
A minha consciêns está pesada | ||
Pois o dinheiro que doei non basta: | 1600 | |
É por isto que o demo me atormenta! | ||
| ||
(silêncio) | ||
| ||
Que foi aquilo? Maurício? Patrícia? | ||
Calma, Procópio, vai, respira fundo! | ||
Peraí, que queísso, gente, para, | ||
Cadê Rogér, estou com muito medo! | 1605 | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
(Entra Deusdete disfarçada.) | ||
| ||
Deus. | È Belzebu que chegou, desgraçado! | |
| ||
Proc. | Deus me defenda, socorro, queísso? | |
| ||
Deus. | Nenhum pecado se esconde de mim! | |
| ||
Proc. | Mas não pequei, demônio, piēdade! | |
| ||
Deus. | Tuā hora chegou, malandro, vem! | 1610 |
Rondei demais esta casa de puta | ||
E dominada por corno: Calado! | ||
Não se pode enganar o enganador! | ||
| ||
Proc. | Mas deve ser engano, eu sou temente: | |
A vida inteira ajudei como pude | 1615 | |
Os meus amigos e o filho do pobre. | ||
Demônio, pelo amor de Deus, adoro | ||
Todo mundo: Me ajuda queu te ajudo! | ||
Deixa-me em paz e vou-te dar de tudo, | ||
Casa e comida e cūecas de seda. | 1620 | |
| ||
Deus. | Toma vergonha na cara, ordinário, | |
Eu quero o quê com cūeca de seda? | ||
Non tem dinheiro que compre, jamais, | ||
O juiz que te aguarda, estou com pressa! | ||
| ||
Proc. | Então non tenho mais nenhuma chance | 1625 |
De salvação? Eu mudarei meu jeito, | ||
Eu quero só viver, mudar meu rumo! | ||
| ||
Deus. | Agorè tarde, peão, o pecado | |
Que cometeste Deus jamais perdoa. | ||
Na tua juventude eu já sabia | 1630 | |
Do teu estilo frouxo e pervertido. | ||
Desde esse tempo investiguei teu passo | ||
E coisa boa até hoje eu non soube. | ||
| ||
Proc. | Um momento me basta, pouco tempo! | |
| ||
Deus. | E para quê? | |
| ||
Proc. | Convencer o demônio! | 1635 |
| ||
Deus. | Non tenho tempo! | |
| ||
Proc. | Um segundo apenas! | |
| ||
Deus. | Já que detesto tanta choradeira, | |
Eu posso até ceder, mas fala logo! | ||
| ||
Proc. | Escolhe alguma coisa desta casa, | |
O que quiseres, carrega contigo! | 1640 | |
Em pouco tempo gente velha morre. | ||
| ||
Deus. | Cuidado com promessa, meu amigo: | |
Tem uma história por aí correndo | ||
De certas cartas que Procóp entrega | ||
Ao tal Rogério, comparsa de pragas. | 1645 | |
| ||
Proc. | Mas eu sabia que um grande segredo | |
Não ficaria escondido de todos! | ||
Essas cartinhas son curtas e poucas, | ||
Palavras de consolo e caridade. | ||
| ||
Deus. | Do conteúdo eu jà sei, salafrário, | 1650 |
O inferno inteiro conhece o teu tipo. | ||
Foram poucas as vezes que existiram | ||
Tanta besteira e tanta putaria | ||
Em meras folhas, papel condenado. | ||
| ||
Proc. | Nò é assim porque posso explicar: | 1655 |
Quando se preōcupa cons amigos, | ||
Certas palavras son mal entendidas. | ||
No começo, essas cartas eram santas, | ||
Foram mudando aos poucos e pecando. | ||
A culpè tua e das tuās falanges | 1660 | |
Que pervertero a vontade dos bons. | ||
| ||
Deus. | E desde quando uma culpa foi nossa | |
Se quem agiu foi gente e não inferno? | ||
É do demôn a parte de incitar, | ||
A de aceder porém compete ao homem. | 1665 | |
Pouco me importa se quem peca peca | ||
No começo, no meio ou só no fim: | ||
Problema teu, non meu! Toda pessoa | ||
Peca e contanto que peque perfeito. | ||
| ||
Proc. | Istè verdade, mas non tenho parte | 1670 |
No caso dessas cartas, nem pecado. | ||
Entreguei os papéis e fui-me embora | ||
Toda vez e nem vi nem li nem soube! | ||
| ||
Deus. | Eu tenho cara de otário, querido? | |
Fala a verdade, cretino, confessa! | 1675 | |
| ||
Proc. | Então me diz de vez o que desejas, | |
Ofereci de tudo e nada basta! | ||
Socorro, Amanda, socorro, Rogério, | ||
Estou sendo levado injustamente! | ||
| ||
Deus. | Palavreado non serve de nada: | 1680 |
Estou de saco cheio, até com raiva. | ||
Deixa de caso e chilique e cu doce! | ||
Non dou moral a converseiro, nego, | ||
Mas quero ser legal contigo, escuta: | ||
Me entrega toda carta que tiveres, | 1685 | |
Põe tudo aqui na minha mão e pronto, | ||
A salvação è clara e garantida! | ||
| ||
Proc. | O quê? As cartas? | |
| ||
Deus. | Vem comigo então! | |
| ||
Proc. | Nò é possível! | |
| ||
Deus. | Non mintas de novo! | |
| ||
Proc. | È traïção que perpetro a Rogério! | 1690 |
| ||
Deus. | Problema teu: Eu cobro meu tributo | |
E quem non paga tem que assar na brasa! | ||
| ||
Proc. | Deus me defenda! | |
| ||
Deus. | Olha aqui, mané, | |
Estou sabendo de toda a marmota! | ||
| ||
Proc. | Mas neste caso deixa aqui las cartas! | 1695 |
| ||
Deus. | A legião do inferno só descansa | |
No dia em que essas cartas forem vistas. | ||
É agora ou jamais, Procópio, anda! | ||
| ||
Proc. | Meu Deus, Rogério nunca aceitará: | |
E se eu queimar eu mesmo a papelada? | 1700 | |
| ||
Deus. | Podes queimar, mas vem então comigo, | |
Tem muita gente esperando por ti, | ||
Querido, lá no andar de baixo, pronto! | ||
| ||
Proc. | Não me conformo! | |
| ||
Deus. | Decide-te logo. | |
| ||
Proc. | Pelo jeito, non tenho mesmo escolha! | 1705 |
| ||
Deus. | Então... | |
| ||
Proc. | Preciso... | |
| ||
Deus. | Passar... | |
| ||
Proc. | Os papéis... | |
| ||
Deus. | Vai, desgraçado, passa logo as cartas, | |
Não tenho o tempo inteiro deste mundo! | ||
| ||
Proc. | Leva contigo, demo, toma tudo! | |
| ||
(tira do bolso uma leva de cartas) | ||
| ||
Deus. | Aí estão! | |
| ||
Proc. | Sõ estas que me restam! | 1710 |
| ||
Deus. | Perfeito, passa! | |
| ||
Proc. | Então me salvei? | |
| ||
(entrega as cartas) | ||
| ||
Deus. | Nas mãos corretas! | |
| ||
Proc. | Cumpri minha parte? | |
| ||
Deus. | Ainda não! Um pequeno detalhe: | |
Que dizer de Deusdete, meu amigo? | ||
| ||
Proc. | Mandei embora e despedi com gosto | 1715 |
Quem passa a vida inventando mentira! | ||
| ||
Deus. | Opa, rapaz, Deusdetè gente boa. | |
Deste serviço Deusdete non sai. | ||
| ||
Proc. | Nò é possível! | |
| ||
Deus. | Queres vir comigo? | |
| ||
Proc. | Não não, demônio! Deusdete vai ficar. | 1720 |
| ||
Deus. | Muito bonito, e vê se te comporta: | |
Non quero vir de novo, okay, bandido? | ||
| ||
Proc. | Eu vou mudar a minha vida inteira! | |
| ||
Deus. | Gostei de ver! (sai.) | |
| ||
Proc. | Coitado de Rogério! | |
Como direi ao meu melhor amigo | 1720 | |
Que Satanás roubou nosso segredo? | ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Rogér. | Procópio, meu amigo, queque foi, | |
Levanta-te do chão, estás morrendo? | ||
| ||
Proc. | Infelizmente não: Estou è vivo! | |
Se a tua ajuda tivesse chegado | 1725 | |
Antes, Satã teria sido expulso. | ||
| ||
Rogér. | Que palhaçadè essa e que delírio? | |
Não me parece bem lo teu estado! | ||
| ||
Proc. | Pois o demônio já levou embora | |
Tudo o queu tinha de carta e guardava! | 1730 | |
| ||
Rogér. | Comé quié, Procóp, esse negócio? | |
É melhor me sentar, explica o caso! | ||
| ||
Proc. | Mas explicar o quê, meu caro, è isso: | |
Demôn apareceu e me extorquiu: | ||
Ou eu lhe dava tudo ou iā junto! | 1735 | |
| ||
Rogér. | Que desgraça foi essa, delinquente? | |
Onde se viu que o demônio viesse... | ||
| ||
Proc. | Pois eu o vi! | |
| ||
Rogér. | A que ponto chegamos! | |
| ||
Proc. | E mais: Também ouvi! | |
| ||
Rogér. | Por piēdade, | |
Procópio, desde quando que o demônio... | 1740 | |
| ||
Proc. | Amigo, eu não estou ficando louco! | |
Non vimos ambos a cena grosseira | ||
Que Satanás arranjou nesta casa | ||
Em frente a filhos, amigos, esposa? | ||
Pois ele apareceu-me aqui de novo | 1745 | |
Nesta mesmíssima sala, meu caro! | ||
Ameāçou me levar para o fogo | ||
E por pouco eu seria sequestrado: | ||
Só me salvei porque lhe dei as cartas! | ||
Perdão, Rogér, eu sei que te traí! | 1750 | |
| ||
Rogér. | Cão! Miserável! | |
| ||
Proc. | Maldito demônio! | |
| ||
Rogér. | Demônio lá existe? Que demônio? | |
| ||
Proc. | Ora, Rogério, jà disse que o vi! | |
| ||
(silêncio) | ||
| ||
Rogér. | Percebo a farsa que aqui se passou! | |
Ah salafrária! As cartas que deste | 1755 | |
A Satanás, eu sei quais são, Procópio! | ||
Pois eu as vi pelas mãos de Deusdete | ||
Descendo pela escada em gargalhada: | ||
Levou consigo um terrível segredo! | ||
| ||
Proc. | Que dizes? | |
| ||
Rogér. | Despudorada! | |
| ||
Proc. | Deusdete! | 1760 |
| ||
Rogér. | Vamos, amigo, com sorte a pegamos, | |
A condenada certo não foi longe! | ||
| ||
Proc. | Deus me proteja: Nosso casè sério, | |
Tudè perdido e saberão de tudo | ||
Nas horas próximas. | ||
| ||
Rogér. | Aindè tempo! | 1765 |
| ||
Proc. | Não, impossível, conheço Deusdete. | |
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Rogér. | Vamos correr! | |
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Proc. | Deixa-me ver o cofre. | |
| ||
Rogér. | Traz o dinheiro! | |
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Proc. | Non cabe na mala. | |
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Rogér. | Pega os papéis, transações, documentos. | |
| ||
Proc. | Pronto, na mala! | |
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(saem; ouve-se as vozes fora do palco) | ||
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Rogér. | Deusdete! | |
| ||
Proc. | Deusdete! | 1770 |
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Rogér. | Com sorte a vemos, coragem! | |
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Proc. | Cadela! |
O Caso de Amanda |
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Aman. | Cadê Deusdete, o traste nunca chega? | |
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Maur. | Calma, mamãe! | |
| ||
Aman. | Mas calma como, filhos? | |
Fugiram juntos Procóp e Rogério! | ||
Estou morrendo, traz o comprimido, | 1775 | |
Pega o diclofenaco, o navagina | ||
Ou sei lá como chamam, traz o meu | ||
Supositór, o de duzentas gramas! | ||
Pobre mulher que se acaba por nós: | ||
Deusdete achou as cartas! Mal me deu | 1780 | |
E já foi ver se achava mais, coitada, | ||
Correndo risco de vida e de morte. | ||
Saiu sem rumo e salvou-se por pouco, | ||
Procóp atrás perseguindo e Rogério! | ||
Passou desesperada pela esquina, | 1785 | |
A vizinhança rindo e se acabando! | ||
| ||
Patríc. | Motivo com certeza não faltou! | |
Quistór è essa de fuga, mamãe? | ||
Anda, Maurício, traz o ibuprofeno! | ||
Mamãe enlouqueceu de vez, delira | 1790 | |
Ou deve estar com dor na consciência. | ||
Conselho todo mundo aqui te deu: | ||
Rogério nò è santo, Dona Amanda, | ||
Teu amigo non prestā, abre os olhos! | ||
Teu casè triste e nem remédio cura. | 1795 | |
| ||
Aman. | Dizei lo nome duma só desgraça | |
Que non tenha caído sobre nós! | ||
Ouvi, filhinhos, chamai enfermeiros, | ||
Estou morrendo já de desespero. | ||
Quanto às cartas, lereis e sabereis | 1800 | |
Que Amandè santa, pura vossa mãe: | ||
Non tive nada com Rogér, eu juro! | ||
| ||
Maur. | Estou perdendo mesmo a paciência! | |
Pega essas cartas, quero ler agora! | ||
| ||
Patríc. | E quanto a mim, nem sei se quero ouvir | 1805 |
O nome dessa amante: Tanto faz! | ||
| ||
Aman. | Maurício pode ler, eu nem consigo! | |
Acabou minha vida, cava a cova. | ||
| ||
Maur. | Dona Amanda e seu drama, mas vejamos | |
As cartas: Ah! Olha aqui – um poema: | 1810 | |
| ||
(começa a ler da carta) | ||
| ||
»Meu amor! A calcinha colorida | ||
Está cremosa, esperando por ti: | ||
Eu fico olhando no espelho a beleza | ||
Do fio dental e lembrando a batida | ||
Da tua mão nesta molhada gruta. | 1815 | |
Son tantas emoções, a carne gruda | ||
Bem gostoso no fio enquanto penso. | ||
Em pouco tempo estaremos juntinhos: | ||
Tudo està pronto, tudo vai perfeito, | ||
Ninguém desconfiou do nosso plano. | 1820 | |
Quando estiveres só, querido, bate | ||
Para mim na pontinha do teu peito! | ||
Atè breve, cachorro, até mais tarde: | ||
Do teu eterno amado, teu Procópio!« | ||
| ||
Aman. | Para, infeliz, estou ficando louca, | 1825 |
Estou morrendo, socorro, meus filhos! | ||
Alguém me acuda pelo amor de Deus, | ||
El ar me falta, è farsa do demônio, | ||
Traz o remédio, chama uma ambulância! | ||
| ||
Maur. | Calma, mamãe, Patrís, ajuda logo! | 1830 |
| ||
Patríc. | É gozação, Maurís, è palhaçada? | |
Mamãe vai ter um treco e tu me enganas? | ||
| ||
Maur. | Engano não, Patrícia, podes ler! | |
| ||
Patríc. | “Quando estiveres só, querido, bate | |
Para mim na pontinha do teu peito! | 1835 | |
Atè breve, cachorro, até mais tarde: | ||
Do teu eterno amado, teu Procópio.” | ||
| ||
Aman. | Eu bem sabia que o demo iludia | |
Minha esperança de vida e virtude! | ||
Já vem vindo, meninos, l’ambulância? | 1840 | |
Dai-me esta carta, deixa ver agora! | ||
| ||
Patríc. | Pai de família, casado faz tempo! | |
| ||
Maur. | Para, Patrícia! Acha o telefone! | |
| ||
Aman. | »Atè breve, cachorro, até mais tarde: | |
Do teu eterno amado, teu Procópio!« | 1845 | |
| ||
Maur. | Custa-me crer! | |
| ||
Patríc. | Mas eu entendo agora | |
Por que fugiram esses dois pombinhos! | ||
| ||
Maur. | Estás melhor, mamãe? Abre a janela! | |
| ||
Aman. | Que mulher infeliz e mal amada! | |
O coração de Rogér è sensível, | 1850 | |
Mas a musa que inspira seus suspiros, | ||
A meretriz que o seduz è Procópio? | ||
Eu não entendo mais esta existência, | ||
Fui traída por todos que me amavam. | ||
Onde está meu remédio, desgraçado, | 1855 | |
Quero estar viva e chamar a polícia: | ||
O meu marido roubou meu amante? | ||
Ou meu amante roubou meu marido? | ||
A palhaçada nò entra direito | ||
Aqui na minha cuca, estou maluca? | 1860 | |
Son dois amigos, filhos, são cristãos: | ||
Bispo Rogério tem mulher e filhos! | ||
| ||
Patríc. | »Mas tem também um coração, Deusdete!« | |
Gente, Maurício, verifica os cofres! | ||
| ||
(Maurício abre e inspeciona os cofres) | ||
| ||
Maur. | A puta que os pariu! Levaram tudo! | 1865 |
Eu vou matar Rogér, eu mato, eu mato! | ||
| ||
Aman. | Aindè tempo, ai! Chama a polícia, | |
Vamos deter esses dois salafrários, | ||
Anda, Maurício! | ||
| ||
Maur. | Vamos já! | |
| ||
Patríc. | Polícia! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Deus. | Pode parar, boiada, aondē ides? | 1870 |
Perdi de vistē olha que busquei | ||
Por todo beco e por todo buraco. | ||
| ||
Aman. | E quanto ao cofre? | |
| ||
Deus. | Levavam consigo | |
O mundo todo, um montão de dinheiro! | ||
| ||
Patríc. | Onde os perdeste? | |
| ||
Maur. | Conta o caso inteiro! | 1875 |
| ||
Deus. | Gente de Deus, estou de fato viva? | |
Foi por milagre que encontrei do nada | ||
Os dois aqui, soldado muito honrado. | ||
Quando expliquei lo caso e tudo mais, | ||
A virtude e dinheiro os comoveram: | 1880 | |
E de repente, dois heróis guerreiros | ||
Me ajudavam correndo pela rua! | ||
Assim que vimos os dois foragidos | ||
Houve perseguições, houve batalhas | ||
Mas destino non quis, destino opôs! | 1885 | |
Aí, meu filho, nem herói resolve | ||
E num segundo a quadrilha fugiu, | ||
Bandido ali se escafedeu com tudo! | ||
| ||
Aman. | Inda podemos... | |
| ||
Deus. | Pode nada, para! | |
| ||
Aman. | Deusdete está cansada! Vai, Maurício, | 1890 |
Toma uma providêns e vê se encontra: | ||
Nò é possível que estejam tam longe! | ||
| ||
Maur. | Vamos agora! | |
| ||
Aman. | Mas toma cuidado! | |
| ||
Maur. | Non voltarei de mãos vazias não, | |
Eu quero o crânio daquele canalha! | 1895 | |
| ||
Patríc. | Usa juízo! | |
| ||
Maur. | Ao diabo! Vamos! (sai cons policiais) | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Deus. | Eu não achei as cartas, Dona Amanda? | |
Mas Dona Amanda, cadê meu dinheiro? | ||
| ||
Patríc. | A Dona Amanda se acabou, Deusdete, | |
Lê por ti mesma o teor da tragédia! | 1900 | |
| ||
Deus. | Eu quero lá saber dessa tragédia? | |
Eu quero meu dinheiro e quero agora! | ||
| ||
Patríc. | O dinheiro sumiu! A cartè esta! | |
| ||
Deus. | (lendo) »Meu amor! A calcinha colorida | |
Está cremosa esperando por ti...« | 1905 | |
| ||
Patríc. | Que coisa escandolosa e que passada, | |
Gente, eu fico abismada coessa história. | ||
| ||
Deus. | »Do teu eterno amado, teu Procópio!« | |
| ||
Aman. | Cala essa boca pelo amor de Deus, | |
Eu nunca mais quero ouvir este nome! | 1910 | |
Foi triste a farsa, foi feiā demais! | ||
Eu já nem sei se consigo saber | ||
Qual desses dois foi pior traïdor. | ||
È cada coisa que a pessoa escuta: | ||
Essa paixão que el igreja condena | 1915 | |
Non pode ser correta, Deus non gosta! | ||
| ||
Deus. | Nò é possível isto, Dona Amanda. | |
Digo – nò é possível que tenham fugido | ||
Pela paixão que o pregador condena. | ||
| ||
Aman. | Como não, criatura, se essas cartas | 1920 |
Son claras, são explícitas? Son provas, | ||
Documentado amor de dois comparsas. | ||
Não se duvida de indício tam forte! | ||
| ||
Deus. | Pois descobri, minhā filha, um vestígio | |
Maior que a papelada, eu tenho imagens! | 1925 | |
Foi coestas mãos que Deusdete pegou | ||
Uma pista tremenda e coisa linda: | ||
Caiu na rua em toda a correria! | ||
Se os dois amigos são também amantes, | ||
Que fotè esta e que mulher è esta? | 1930 | |
Olha aqui lo que achei: E não me venham | ||
Dizer que este corpinhè masculino! | ||
| ||
Aman. | Dá-me esta imagem, por Deus, infeliz! | |
Ah! Entendo, Deusdete, o caso inteiro, | ||
Agora eu sei como foi que fizeram. | 1935 | |
Eis a mulher que destruiu meu lar, | ||
E que mocreia, que corpo acabado! | ||
Abre a janela, Patrícia, socorro, | ||
Morre de dor o coração traído... | ||
| ||
Patríc. | Deixa-me ver! Ave, que coisa horrível, | 1940 |
Que jaburu! Por sorte, a fotè pouca, | ||
Non mostra a cara, o traseiro bastou: | ||
Rogér e seus bagaços, coisa triste. | ||
| ||
Deus. | Eu fiquei transtornada quando eu vi, | |
Eu juro, eu quase desmaiei de susto. | 1945 | |
Olha, tem hora que até me pergunto | ||
Se o nosso amigo vai bem da cabeça! | ||
| ||
Aman. | Quero saber o caso dela inteiro, | |
Quero saber detalhes da cadela! | ||
Quem pode ser? | ||
| ||
Patríc. | Uma nobre fiel | 1950 |
Que lhe mandava cartas por papai. | ||
Uma mulher sofrida e bem carente: | ||
Rogério lhe mostrava o seu cajado! | ||
| ||
Aman. | Para, Patrícia! Como te divertes | |
Da triste sina que a vida me arrima? | 1955 | |
| ||
Deus. | E pelo jeito està só começando | |
E vem vindo mais bomba pela frente! | ||
| ||
Patríc. | Mas uma coisa me parece estranha. | |
Como explicar essas cartas de amor | ||
Expressamente assinadas »Procópio«? | 1960 | |
| ||
Aman. | A desgraçada usurpava seu nome, | |
– O que Procópio talvez consentia – | ||
E assim cobriu la própr identidade. | ||
A vidè essa, eu conheço esse mundo: | ||
Procópio foi levar os dois embora, | 1965 | |
Era ele o correio dos pombinhos! | ||
Foi ele que pagou pelo romance! | ||
Procópio vai entrar por esta porta | ||
Como se nada estivesse ocorrendo! | ||
È cachorrada, è cachorro, è putada! | 1970 | |
| ||
Patríc. | Plausível soa! | |
| ||
Deus. | Em nada me assusta! | |
Depois de tanto baque e tanto susto | ||
A pessoa acredita em qualquer coisa: | ||
Fotografia, ingresso de teatro... | ||
| ||
Aman. | Digo e repito a meus queridos filhos: | 1975 |
Teatro acaba coa vida dum homem. | ||
Donde foi que saiu la inspiração | ||
Que levou meu marido a tal ruína? | ||
Veio do palco e duma raça podre! | ||
Non foi no seio dum lar delicado | 1980 | |
Que meu amor aprendeu este gesto! | ||
| ||
Patríc. | Nem ousarei questionar de que seio... | |
| ||
Aman. | Ah! Não me mates pois estou morrendo, | |
Chama a polícia, chama uma ambulância, | ||
Falta-me el ar! | ||
| ||
Deus. | Calma, Amanda! | |
| ||
Patríc. | Mamãe! | 1985 |
| ||
Aman. | Chama meu médico, filha, Deusdete, | |
Levai-me logo ao leito do hospital! | ||
Um mal terrível me assola no peito, | ||
Sinto que expiro, Patrícia, socorro! | ||
| ||
Deus. | Uma ambulância! | |
| ||
Aman. | Um médico já! | 1990 |
| ||
Patríc. | Vamos agora, dá-me as mãos, mamãe! | |
| ||
Aman. | Fica, Patrícia, pelo amor de Deus, | |
A proclamar a Maurís o meu fim. | ||
A minha amiga saberá guiar-me | ||
No derradeiro rumo que me resta: | 1995 | |
É muito abalo numa vida só! | ||
| ||
Deus. | Vamos, Amanda! | |
| ||
Aman. | Aqui, pela porta! (saem ambas.) | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Patríc. | Cachorrada se acaba tudo assim! | |
A pessoa quer ser o que nò é | ||
E termina pior do que jà era. | 2000 | |
Aceito Deus, acredito em virtude, | ||
Mas deixo sempre todo mundo em paz. | ||
Eu quero me salvar, salvar o mundo | ||
Não consigo e nem tenho autoridade. | ||
Macaco olhando o próprio rabè lindo, | 2005 | |
È comovente ver, o restè farsa. | ||
Nada disso acontece quando el homem | ||
Cuida da suā vida e do què seu: | ||
Hipocrisia foi mãe de comédias. | ||
Quem mandou Dona Amanda se meter | 2010 | |
Na vida alheia e não viver a própria? | ||
Assim tropeça a pessoa que abusa | ||
Religião que nem metralhadora. | ||
Bonitè falar menos, agir mais, | ||
Senão se vê como a coisa termina: | 2015 | |
Rogério santo então virou devasso, | ||
Trocando o seu amigo pela esposa, | ||
Abandonando Amanda pelo amigo. | ||
Falava só de Deus, pregava bem, | ||
Corria atrás de mulher e dinheiro. | 2020 | |
Discernimentè bom, cegueira não, | ||
Moderação è mãe do qué virtude. | ||
Por isto eu vejo toda essa passada | ||
E calo a boca e não me meto em nada. | ||
Não faltou quem dissesse: Dona Amanda, | 2025 | |
Nò é assim que se encontra resposta. | ||
Mas a resposta da vida dos outros | ||
Eu não conheço, vou buscando a minha. | ||
O que parece bom, estudo e sigo: | ||
Sem pretensão, examino meus erros, | 2030 | |
Pratico sem alarde o que acredito. | ||
Mas cada diè lição fugidia... | ||
Cadê Maurís, o povo nunca chega, | ||
Será que alguém morreu, será possível? | ||
Só faltava uma coisa dessas, ave, | 2035 | |
A demora me deixa tão nervosa. | ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Maur. | Desisto! | |
| ||
Patríc. | Quê? | |
| ||
Maur. | De buscá-los. | |
| ||
Patríc. | Mas como? | |
| ||
Maur. | E quem consegue perseguir papai | |
Coa multidão correndo pelas ruas? | ||
É muita gente, apareceu do nada | 2040 | |
Gritando e protestando e sabe Deus: | ||
Papai se aproveitou, sumiu na massa! | ||
| ||
Patríc. | È complicado e só faltava essa! | |
| ||
Maur. | Mas queque foi, cadê mamãe, Patrícia, | |
Fazendo o quê sozinha aqui na sala? | 2045 | |
| ||
Patríc. | Nem te conto, Maurís, o casè grave: | |
Mamãe parece morrer dum ataque! | ||
Fiquei aqui para dar a notícia. | ||
| ||
Maur. | Dona Amanda e seus trecos, ai ai ai: | |
Aonde foi, tomou que rumo, diz! | 2050 | |
| ||
Patríc. | Non sei, saiu com Deusdete mancando. | |
| ||
Maur. | È muita bênção que Rogério trouxe. | |
Santo de casa nunca faz milagre? | ||
Roubou dinheiro e mamãe se acabou! | ||
| ||
Patríc. | Deixa de drama e toma uma atitude! | 2055 |
| ||
Maur. | Vamos, amigos! | |
| ||
Patríc. | Aonde? | |
| ||
Maur. | Buscá-las! | |
| ||
Patríc. | Acaso sabes... | |
| ||
Maur. | Se ficar em casa | |
Seguramente nunca saberei! | ||
| ||
Patríc. | Espera então, irei contigo ver! | |
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
| ||
Aman. | Vede, meus filhos, os restos mortais | 2060 |
De quem um dia foi mãe valerosa! | ||
Vede o que um gesto infeliz de Procópio | ||
Causou na vida virtuosa e calma | ||
Da triste esposa que à cama se acaba: | ||
Assim termina no mundo a virtude! | 2065 | |
Mas não reclamo, meus caros, de nada, | ||
È este o preço que a justiça custa. | ||
Maurício, filho, que fazes aqui? | ||
Deixa morrer tuā mãe ultrajada. | ||
| ||
Maur. | Mas que se passa contigo, mamãe? | 2070 |
| ||
Deus. | Amanda sofre um mal desconhecido: | |
Quando a mártir chegou al hospital, | ||
A doutorada examinou-lhe o corpo: | ||
Non deu em nada! Retorcendo a cara, | ||
Disseram que frescura não tem cura. | 2075 | |
Mas quando expus melhor a gravidade | ||
Do caso e da quantiā da virtude, | ||
Pensaram bem e tudo se arranjou: | ||
Colheram sangue, tecidos e urina, | ||
Foram medindo os calores e o frio | 2080 | |
E tudo mais, foi bonito assistir. | ||
E reunida uma excelsa assembleia, | ||
Os artistas da cura demandaram: | ||
Foi travado um debate memorável, | ||
Foram passadas horas de pesquisas. | 2090 | |
Era cada aparelho e cada máquina! | ||
Tudo em vão, meus amigos, não bastou! | ||
Depois de muito tempo e muita angústia | ||
Foi confessada uma triste verdade: | ||
Era a ciência o verdadeiro mal! | 2095 | |
Amanda sofre duma tal moléstia | ||
Que nem doutor e nem médico explica. | ||
Mas refletindo, coitados, no caso | ||
E na quantia e na virtude, agiram: | ||
Mandaram junto estes dois enfermeiros | 2100 | |
E passarão conosco a noite inteira, | ||
Velando atentos em graves exames. | ||
| ||
Patríc. | A narração foi de fato tocante, | |
Jà vale prêmio: Nobel de Chatice. | ||
| ||
Maur. | Que maldição de moléstia foi essa? | 2105 |
Toma-te prumo e deixa de bobagem, | ||
Anda, levanta a bunda dessa cama! | ||
| ||
(toma-lhe do braço e põe-na de pé) | ||
| ||
Aman. | Mas gente, que queísso, estou de pé? | |
Cura doença o toque de Maurício? | ||
Que maravilha, Deus, meu filhè santo! | 2110 | |
Estou curada, estou saudável, nossa! | ||
| ||
Patríc. | È bom que Dona Amanda esteja bem | |
Porque tem muita coisa pra escutar. | ||
| ||
(Amanda joga-se à maca de novo.) | ||
| ||
Aman. | Socorro, filha, estou ficando tonta: | |
Que novo mal se abateu nesta casa? | 2115 | |
Percebo já! Non pudeste alcançar | ||
A bandidagem que roubou meu sonho? | ||
Minha inocência foi demais traída: | ||
Que aconteceu na rua, fala logo? | ||
| ||
Maur. | Eu temo o triste estado em que te vejo | 2120 |
E fico até com dó de avacalhar, | ||
Desmascarar a pilantra que foste: | ||
Só que artista maior foi teu marido. | ||
| ||
(Amanda salta da maca num átimo) | ||
| ||
Aman. | Jà fui curada, pelo amor de tudo, | |
Fala, infeliz, a demora me mata! | 2125 | |
| ||
Maur. | Quem assistiu a desgraça que vimos | |
Jà não se alegra desta vida mais... | ||
Éramos lentos na praça lotada, | ||
Maluco doido em tudo què bueiro. | ||
Virou concurso ali de palavrão, | 2130 | |
De pau e pedra e de couro comendo. | ||
Em tal cenár avistamos Procópio: | ||
Camisetinha estreita e calça curta, | ||
Passando de mãos dadas com Rogério. | ||
Eu tive um treco e teve um rebuliço: | 2135 | |
Mandei correr atrás mas se safaram | ||
E agora estão safados dois ladrões, | ||
A multidão pensando que era festa. | ||
Quando porém aportamos à praia, | ||
O nosso brado se uniu aos da massa | 2140 | |
E percebemos a inteira verdade! | ||
Estavam buscando papai, gritando: | ||
»Abaixo o bispo impostor, o banqueiro, | ||
Cadê Rogér, eu quero meu dinheiro!« | ||
Foi ali, meus fiéis, que me dei conta | 2145 | |
Da vida e da verdade, ouvi foi coisa! | ||
De mão em mão passava a lista imensa | ||
De crime e roubalheira, fiquei zonzo: | ||
O Hall da Salvação, desviō, roubo, | ||
Sonegação de imposto, estelionato, | 2150 | |
Formação de cartel, difamação, | ||
Um longo rol que prefiro ocultar. | ||
Quando fui ver, Procóp estava longe, | ||
Cantando em alto mar com seu amante: | ||
»O barquinho vai! A tardinha cai!« | 2155 | |
Parava o povo na beira da praia, | ||
Perdendo já de vista uma canoa | ||
Que rumo às águas do Havaí remava: | ||
Os tripulantes em beijos e abraços, | ||
Dinheiro e transações por todo lado. | 2160 | |
Enquanto isto, seguiam batalhas | ||
Entre a polís e a multidão nervosa. | ||
| ||
Aman. | Para, palhaço! Quem pensas que sou? | |
| ||
Patríc. | Será verdade o que escuto, Maurício? | |
| ||
Deus. | Eu quero meu dinheiro, achei as cartas! | 2165 |
| ||
Maur. | Foi o que vimos, os guardas e eu! | |
| ||
Aman. | Istè conto de fadas, é piada? | |
Menino, sou mulher que viu a vida! | ||
Issè calún e falatório frouxo: | ||
Onde se viu Procópio sonegando | 2170 | |
Imposto algum e roubando dinheiro? | ||
Não te envergonhas de tanta mentira? | ||
| ||
Patríc. | Melhor non pôr a mão no fogo! | |
| ||
Aman. | Mentira! | |
| ||
Maur. | »O barquinho vai! A tardinha cai!« | |
O mundo inteiro ouviu, lo mundo viu! | 2175 | |
| ||
Aman. | Viu o quê, ordinário, viu o quê? | |
Procópio se beijando com Rogério? | ||
Tem dó de mim, Maurício, me respeita, | ||
Um caso desses nem demôn encena! | ||
| ||
Deus. | Amanda, eu quero meu dinheiro agora! | 2180 |
Mas uma coisè certa, o casè claro: | ||
È necessário curvar-se às imagens! | ||
| ||
Aman. | Son pois imagens que aqui mencionais? | |
Eu vou mostrar a foto então que acharam, | ||
Acharam não, Deusdete achou: Aqui! | 2185 | |
Olha o traseiro aí no preto e branco: | ||
Issé rapaz, Maurís, issé Procópio? | ||
Olha aí que bagaço e que mocreia | ||
Rogér andou comendo pelo mundo! | ||
Será teu pai lo jaburu da fato? | 2190 | |
| ||
Maur. | Deixa-me ver! | |
| ||
Aman. | Assombração sem roupa! | |
Caiu do bolso de Rogério, filho! | ||
| ||
Deus. | Eu fiquei baqueada quando olhei! | |
| ||
Maur. | Pois essa bunda bem sei de quem é! | |
| ||
Patríc. | Quem é, Maurício? | |
| ||
Deus. | Fala logo então! | 2195 |
| ||
Aman. | Quero saber onde mora a vadia! | |
Quero acabar coa raça dessa vaca! | ||
| ||
Maur. | Pois a mulher è você, Dona Amanda, | |
Você de cabo a rabo, eu vi de cara! | ||
| ||
Aman. | Seu desgraçado! | |
| ||
(lança-se contra Maurício) | ||
| ||
Deus. | Aparta, polícia! | 2200 |
| ||
(os guardas intervêm separando) | ||
| ||
Patríc. | Peraí, peraí, que coisè essa, | |
Maurício, peraí: Mamãe na foto? | ||
| ||
Maur. | Ah, por favor, Patrícia, que pergunta! | |
Olha a mancha estampada, escancarada, | ||
Olha o sinal da perna e do traseiro! | 2205 | |
Não te recordas daquele biquini, | ||
A praia inteira vendo a cicatriz? | ||
| ||
Patríc. | Deixa-me ver! | |
| ||
(toma a fotografia às mãos) | ||
| ||
Nò acredito, gente, | ||
Essa mocreia da fotè mamãe! | ||
Eu reconheço tudo, eu vejo tudo, | 2210 | |
A marca, a cicatriz, a celulite. | ||
| ||
Aman. | Não merecia, filha, tal calúnia. | |
Deixa-me ver melhor este retrato! | ||
| ||
Maur. | O casè claro, verdade inegável! | |
| ||
Patríc. | È raio X completo e confiável | 2215 |
»De quem um dia foi mãe valerosa!« | ||
| ||
Deus. | Será possível? Quero ver também! | |
| ||
(toma a fotografia às mãos) | ||
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Então as cartas eram de Procópio, | ||
Procópio que mandou: Azar o meu, | ||
Era melhor non ter achado nada! | 2220 | |
Rogério dava a Dona Amanda os dias | ||
E dedicava as noites ao marido? | ||
Equilibrada a divisão das horas! | ||
E foi assim: Amanda apaixonada | ||
Propôs a fuga e Procópio também. | 2225 | |
Que dilema de amor viveu Rogério! | ||
Mas agiu bem, Procópio tem dinheiro. | ||
Fugiu perfeito às ondas do Havaí, | ||
Querendo até levar de souvenir | ||
O carinhoso retrato de Amanda! | 2230 | |
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Maur. | È muito horrível para ser verdade! | |
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Patríc. | É, meu filho, no mundo duas coisas | |
Sempre se excluem: Verdade e beleza! | ||
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Aman. | Jà terminastes o triste debate? | |
Posso falar? | ||
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Maur. | Falar o quê, mamãe? | 2235 |
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Patríc. | O casè simples! | |
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Deus. | Perdi minha fé... | |
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Aman. | Eu me lembro bem desta foto, filhos, | |
Estava bêbaba quando Rogério | ||
Se aproveitou de mim, me fez de puta. | ||
Eu tentei resistir mas ele disse | 2240 | |
Que apagaria tudo ou rasgaria! | ||
Que o meu destino sirva de lição: | ||
Me pegaram de quatro e fiquei pobre! | ||
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Patríc. | Empobreceu porque quis! O dinheiro | |
Do meu trabalho Rogério não rouba! | 2245 | |
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Maur. | Nem do meu, tou de boa! | |
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Deus. | Quanto a mim... | |
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Aman. | Deixa comigo, Deusdete, prometo! | |
Inda amanhã saïremos humildes | ||
Redimindo os pecados dessa vida! | ||
Conheço um outro santo e grande amigo: | 2250 | |
Padre Pedrão resolverá meu caso! | ||
Vem comigo, menina, vem sem medo: | ||
Esse me salva mesmo, esse me cura! |