Lira Menor
© Gregorius Vatis Advena 2013, Record L 1, Engl. Minor Lyre, December 2003 to June 2013, Hamburg and Hampshire, free verse, 75 poems, lyric poetry, Portuguese.
© Gregorius Vatis Advena 2013, Record L 1, Engl. Minor Lyre, December 2003 to June 2013, Hamburg and Hampshire, free verse, 75 poems, lyric poetry, Portuguese.
Era a contemplação bucólica a dominante inicial desta antologia. Ao longo dos anos, foi acomodando também uma voz urbana e popular, dissonante. O eu-lírico revela-se num conflito de percepções em busca duma satisfação estética verdadeira e duradoura.
A Lira Menor é um tortuoso estudo da originalidade como objeto da palavra. Embora esta busca não esteja explícita no universo íntimo dos poemas, exterioriza-se num choque de estilos antagônicos. O contraste estético dum plurilinguismo radical caracteriza, ao fundo da superfície lírica, o conflito principal desta coleção.
Da peça Davidbündlertänze. Einfach, por Robert Schumann, European Archive – Musopen CC PD.
A antologia é heterométrica. Figuram, entre outros, o verso livre, o decassílabo e a redondilha maior. A variedade tende a realçar a insatisfação estética e de certo modo a aporia da originalidade. Passagens em métricas antigas seguem passagens livres ou mesmo anti-métricas, sugerindo fragilidade.
O uso de formas épicas é raro. Amiúde suprime-se a última vogal numa elisão de três: [a estrela] elisão de duas, [e a estrela] elisão de três, portanto – [e a strela].
Aos poucos mais gente,
Cada qual consigo.
No banco as vidas velhas,
A jovem contente.
Um riso
Veio à boca
Doce quanto inocente,
O Palco.
Vidas vagas,
Vento,
–
Ninguém sorriu
Nem viu teu velho
Riso.
A gente passa apressada, a chuva não.
De dia é noite, o dia em mim é vão.
Talvez nem pressa, apenas passo.
Que pensa a gente pela chuva?
Relegado
Penso, leio,
Vejo a chuva,
Fico, passam.
Penso,
Porém vivo.
Vou-me embora
Pela chuva.
Bruxas de Macbeth, em torno do forno
Onde borbulha o caldo incandescente,
Dançam e cantam maldições, duendes
Dando tempero à sopa gordurenta:
– Bota veneno na panela pra queimar
Que o rei mandou! Pega o sapo
Atrás da pedra ali, que ficou
Juntando peçonha e depois dormiu
E dormiu vacilou. Joga dentro, e zói
De peixe e verme e rabão de morcego,
Quero nem saber, engrossa essa sopa!
Lagarto e língua bifurcada chega
Combina – pena até de pavão pode pôr
Com pó de mandioca brava. Espera
A lua escurecer! Caça lá no espinheiro
A mão do filho da puta que a puta
Estrangulou. Junta co sangue da porca
Que comeu filhote depois de parir. O sebo
Do assassino na forca pode pôr que salga:
Vai buscar na forca o sebo do assassino! –
Na nova cidade
Procura as árvores secas,
Perto do vento.
Busca os navios, o guindaste,
As torres, o grito das
Máquinas.
A fresta enfeita o cimento.
Gaivotas
Vão pescando no agito
O peixe, mas
Os rios e a luz do poste
Iludem.
Sentei-me ao banco que a chuva molhara
Vendo as flutuações.
Em movimento, paro frente ao mar,
Ao vento, quando imóvel sou momento.
Sentei-me à relva ouvindo o canto
Como se o peito a nada conhecera.
E sem gozo nem nojo, num passar,
Hei vivido este hoje a vida inteira.
Entre as almas virentes
Que entrevi pelas sombras,
Andei. Pequeno por entre as folhas,
Caminhei.
Momento,
Céu, a veste branca e suja,
A pedra, o topo do andaime,
As mãos:
O labor desgasta os braços!
Cobriu a testa
Fugindo.
E as aves cruzavam na vertigem
Algum sorriso de nuvens.
Frente ao não, sou.
Amor? Luz fugente
Rumo à noite, sonho.
O céu sobre a vida,
O vanecer azul
É mais duro que a letra.
Quero ser a cor
Que a sombra esconde
Ao recobrir a pedra.
Sentado à colina, canto
E meus livros se calam.
Leram
A letra maior do que o peito,
Perto da flor.
O canto ressoa
Num livro fechado e colorido.
Quando eu era criança
O mundo cabia num riso.
Donde vem o anseio
De ter às mãos o infinito?
As mãos, o fim, a flor – que são?
Os rios são rasgados
Deixando ler como o vento as vidas,
Cores fugindo.
Dum ponto à beira d’água
Vão-se embora as pontes e os passos.
Histórias e ratos
Pelo cais, na margem debaixo da ponte
O livro ilegível.
Estação de trem. Os sapatos
Se encontram coas verdades eternas.
O mundo cabe num cubo,
De pé ou sentando.
O mundo e suas sacolas de compras,
Pelo corredor,
O povo reclamando do calor,
Dividindo o suor.
Que procuras?
As escadas
Não param, e os chapéus
Que caírem ficarão para trás.
Tombam pela estação
As invenções e as superstições.
Quando desceres, o rumo
Será livre e curto.
Longe do rumo e do céu,
Vinham subindo opostos
O verso que dizem velho,
O verso que chamam novo.
Ao verem as sombras
Um do outro flutuantes,
Reconheceram-se fantasmas.
Seguiram ambos calados
No desprezo que os move,
O velho no orgulho das eras,
Na fresca vanidade o novo.
Deixaram a noite indescrita,
O rumo trocado pela farsa
Dalgum relógio de areia.
Perderam de vista
O tempo, corpo,
Espírito a letra.
No escuro diversas de sombras e plano
Reluzem ratângulos, formas e feias
Que bela e mui lentas a dança nas teias
Das ruas semeiam, no meio da morte.
Outros acendem,
Outros se apagam, passam
Pela escuridão
Urbana.
As formas morrem, descoloradas
E naturais ao silêncio
Das luzes artificiais.
Não passam carros, nenhuma janela
Retângular se perturba
Quando os sonhos descansam em paz.
Vielas estranhas, passos
Correm-vos certas incertos.
Ruas quaisquer, dias tortos,
Os pés vos beijam, desertos.
Caminhas por todas ruas.
Nenhumas delas são tuas.
Ah mendigo, deixa o mundo:
Ruas serão sempre as mesmas.
Vão soando vozes,
Os cães vão ladrando
No meio da rua
Quando o carro passa.
As musas morreram,
Fica a flor sem dia
Nem o sol raiou.
Sombra, engole a rua,
Leva a rua, sombra!
As janelas luzem
Longe e nem é noite.
Coisa amarelada,
Por que tão amarga
Essa grande lua?
O fim do tráfico?
Bota o Rio no Maracanã, tranca de vez
E bota a rapazeada pra ouvir
A Hammerklavier
(De preferência o quarto
Movimento. Deixa rolar o dia inteiro):
Morre tudo.
A lua brilha sobre as ruas queda,
Lumes à face dando alma aos olhos.
Transfaz a noite, toma parte em sonho,
Vai colorindo os sopros de tristeza.
Quantos reluzem altíssimos astros!
Já não semelha a sombra ser inverno,
Como do céu pareço ouvir do eterno
Cantos de flores e destinos vastos.
Foi amor à primeira vista.
Rebolou, desceu até o chão.
Mas desceu, hem? O quê? Desceu dum jeito
Que dava gosto ver. Maluco babou, babou
E passou a mão. Não quis saber:
Levou po banheiro,
Pegou de quatro e bola padentro.
Dava tapa na cara.
Chá de rabo:
Melou, vazou.
Dizia que era professor de literatura,
E era de um talento incrível:
Pegava todas.
Dir-vos-não-ei que m’ouvides
Cujo aqueste mar será,
Quanto aquesta barca diz,
Que males, per onde irá.
Non temo o segredo em vão
Da nau ca me spera ao cais.
As velas franger-se-ão,
Naufrágios e temporaes.
O mar noitece sem sonho,
As barcas são como os seres,
Sono de insanos quereres,
Mares de abismo medonho.
Não tenho esmero
Nem princípio.
Vanguarda é tudo.
Sendo apenas sinto,
Escrava e soberana
Da letra.
Não busco licença,
Busco o mundo
Dessa imagem imensa
Por outro rabisco.
O tempo acaba na relva,
Reta interrompendo os pés
Enquanto a grama responde
Ao céu em traçados altos
Que o verde traga nas horas.
Os olhos são como as aves.
Voam por comas e estrelas,
Vislumbram a gema eterna
E pousam ao chão.
Ô maluco, avisa aí pa galera:
Tá saino o poema, o poeta avisou!
Não quero sabê de nhenhenhem:
Pode botá vagabundo pa lê!
Ói: Se aparecê fazeno cu-doce,
Mané que não leu desceno a boca,
Dá-li camaçada na cara que apruma.
Sai semana que vem a parada, beleza?
Peraí, mermão, peraí, peraí que tem mais:
Não vem botá palavra em mha boca não!
Né pa ficá pagano pau pa ninguém não,
Peraí co vô te explicá pa você como é:
Eu lá mandei lambê rabo de alguém?
Gostô? Valeu! Não gostô? Bola pa frente.
Agora, não leu direito e qué dá palpite?
Quéta esse rabo e cala a boca, diabo!
Os perfumes em brisa, doce olor da noite,
Entre as folhas vacilam, negras como o céu.
O mundo esparge o éter, torpecem as flores,
A toda parte as ébrias almas loucas bailam.
Os olhos pedem cor, vislumbram cega luz,
Vastidão de miragens nas árvores altas.
A lua lança em vagas vapores dum véu
Amarelo sombrosas feéricos alva.
Onde as estrelas conduzindo a mão?
As palavras são cegas.
Esconderão teus rabiscos mil prantos,
Pois teu amor é nobre.
Mas nada fica dito de teu peito,
Porquanto a letra é pobre.
Dormir – viver é despertar de sonhos,
E viveremos pouco.
Pouco a pouco não sonharemos mais.
Desviá-los, ó turba,
Desviar da flor os olhos. Dormir,
Porquanto a letra é pobre.
Ó palavras, pequenas como os homens
Maiores que este mundo –
Que sorris aos olhos ermos, candeias,
Cavas do céu escuras?
De noite surge a redenção dos sonhos
Mas são longe as estrelas.
Quando Deus ficou de saco cheio,
Mandou parar com poeminha de flor.
Daí teve as reações populares
(Teve no singular mesmo):
Teve um que pegou e disse:
Ô gente, eu vou viver sem passado é como?
Tem jeito não. Eu vou pegar
E incluir um pouco dessa velharada
Na minha novidade. Ué? Se eu sou novo
E não sei donde eu venho, não sei
Nem porque sou novo e nem quem eu sou.
Aí chegou um outro, virou e disse:
Já era hora de acabar co nhenhenhem
Dessa velharada, Deus me defenda.
Mas cá entre nós: Ali rolou coisa boa
Também. Ali eu tiro o chapéu,
De vez em quando até que releio.
Você não! Você chegou quebrando o barraco,
Você e seu saco plástico e seu chinelo.
Você foi fundo e já disse de cara:
– Joga fora no lixo!
Primeiro você derrubou aquela estátua
Que tinha mais de cem anos.
Depois, demoliu a cidade velha toda:
Botou foi concreto!
No final, você arrasou coa velharada,
Queimava até livro no seu quintal que eu vi!
O cara chegava cuma ideia diferente
E você já acabava é coa raça do cara.
E taí até hoje, nessa mesma mesmice,
Você e sua cidade e sua bermundinha informal
Nesse seu jeito legal de falar,
Nessa sua novidade que já é sabe o quê?
É passado, meu velho, sai dessa!
Na turva pulcritude o tenebroso espelho
Reflete o rastro, remos e barcas na borda.
Os mistérios embalam as folhas em sono,
Sombra e prata recobrindo as auras amantes.
Por entre a treva luz a poeira dos focos,
O riso negro atrai na sede farta os loucos,
A fonte flui: A rebuscada flor seduz
O véu de bacanais e fantasmas ocultos.
Festivo ardor colore as reverberações
Que o fogo diz ao céu em redivivos picos.
Sobra da morte a fumaça cinza de espectros,
Baixel de imagens atras e lúgubre sonho.
Lira Menor |
Distinto tempo brilha ao céu,
Renasce azul em suma luz.
Labor o ano deu em paz:
Verdeja as ervas, frutos traz.
O feto brota em terra sã,
O trigo doura o campo bom.
O prado luz repleto em grão
Vencendo a fome, dando pão.
Mais alto o céu conduz o sol
Que vai às ondas, donde sai.
Ilustra o campo em alvo véu
Tornando dia o turvo brio.
Os ares trazem voz ao mar,
Aos astros sobe a brisa mor.
A luz de estrelas não se põe,
No sol dá nova luz a rir.
A hora vai vestindo em cor
Aurora que do amor se faz.
Foi grande quem remiu o pó
Vertendo o grão ao campo nu:
À mão que lida em tanta dor
A grama adora dando a flor.
RATO:
É terra o que a gente quer,
A gente quer só é terra
Pra plantar paz e feijão.
GATO:
Sai daí, seu comunista,
Aqui não tem terra não,
Aqui tem bala na cara
De comunista e ladrão!
RATO:
Tem comunista aqui não,
Só gente pobre e sem pão.
Oh doutor, peão só quer
Um pouco, né tudo não!
GATO:
Vá trabalhar, vagabundo!
Tem comunista aqui não:
Gente decente é cristão!
Há flores na sombra parvas
Que a grama ocultou de nós.
As poucas gemas se perdem
Entre as ofuscantes gamas.
Em maio aparecem cores
Vivíssimas como um raio:
Ramos, rododendro e rosa,
Gozo e deslumbro de amores.
Quando a cor anil do lírio
Deludir a lira incauta,
Durante o torpor do sonho
Toma cuidado e não pises!
Não firas as vidas simples
Que o chão esconde dos olhos.
No começo era só falatório e bobagem.
Mas o tempo passou, e falatório
falado e repetido vira verdade.
Ninguém tava nem aí, ninguém ouviu
Nem viu nem falou porra nenhuma.
Foi assim: Chegou dizendo que o cara
Era otário, quem pegasse podia xingar.
E xingaram. Chegou dizendo que o cara
Era filho da puta, pode pegar e bater.
E bateram. Chegou dizendo que o cara
Era bandido mesmo: – Pega e mata!
Mataram. Mataram o cara e mataram
Junto a mãe, o pai e o filho do cara.
Mataram amigo e conhecido do cara:
Morreram seis milhões.
Mas não venha apontar o dedo não,
Porque vizinho seu, meu amigo,
Vizinho seu cê não sabe quem é?
Esqueceu?
Manda toda essa gente sossegada parar
De cantar, dançar e assoviar! Aí você vai
Saber quem é o Paraguai: o Paraguai!
Minh’alma é lânguido fogo:
Arde em vesano prazer,
Recende brio, brasa luz,
Glória irmã do amanhecer
Que a mil deleites seduz.
Minh’alma é fogo bravio:
Clareia as mãos e destrói
A carne que a mim se opõe.
Às pedras que o mau constrói,
À espada meu brio se impõe.
Mas fogo é lene elemento:
Passa o sopro frio, um vento,
Morre a flama, glória passa.
Vai-se o brio num só momento,
Luz se desfaz em fumaça.
Traz a fonte imagem,
Ondas odorosas.
Jóias hei cativas
Cadente na baila.
Brilham sobre o chão
Contentes e verde
Vidas sobre o fauno,
Ah, como sou mau,
Folha sobre as faces,
Ah, como sou bom.
Fugir ao pranto, dor, ao fel,
É não viver a inteira vida.
Fugir ao riso, luz, ao céu,
Não faz menor a vil ferida.
A lucidez, insensatez,
A glória lúcia, gozo e pó,
O deus e o nada em vã nudez,
É tanto a vida, ser, o dó.
Se sou feliz ou sofro em vão,
Não sei, odeio e amo, vivo,
Meu fado seja nada ou não.
Mas devo dar-te fim, cativo,
Se a vida não mo deu, a mim?
APHRODITE:
Por que colheste a flor serena?
Jamais verás candor tão nobre.
O brio morreu, a vida é pobre.
Retém, audaz, a mão pequena!
ATHENA:
A esfera que vês é fugaz,
A pétela pura não pensa.
O doce olor, beleza imensa
Do verbo nunca foi capaz.
APHRODITE:
Mas que dizer se a vida é morte?
Que serve ao mundo tanta sorte,
Tanta angústia, tanta agonia?
ATHENA:
À flor lhe falta a fantasia!
Olores passam, resta a dor,
A mão que colhe exala amor.
Por que não vindes, folhas mortas,
Cobrir para sempre o nome desses dias?
Buscando as árvores das avenidas
Paro frente a státuas. Os anos não passam.
Státuas de heróis que sonharam,
Vós, que vedes cegas o meu sopro,
Regai de lágrimas meu coração e sonhos.
Pedras imutáveis que me amais,
Clamores mudos que invadis o peito,
Meu pranto é seco. Onde estão meus olhos?
Errastes, orastes, heróis de urbanos sonhos,
Regastes as praças de lágrimas,
E as praças vos renderam pedras.
Vede como brilha a strela
Oculta de escusas folhas:
Perguntas não têm resposta.
Quem explica a voz da brisa?
Scurece, passam os barcos
Da sombra rumo à candeia.
Vede como brilha a strela
Como se fosse algum porto.
Não tem sentido a resposta
Serena da voz do vento.
A noite devora as barcas,
Toma das folhas a estrela.
Ninguém explicou as horas
Serenas da voz da estrela.
O mar revolto adentra o céu,
Nem existe horizonte no escuro.
Correm pela vaga as sombras
Chorando onde termina o mar.
Na fúria surge a strada branca.
Selene cavalga pelas águas
Vindo entre as ondas e os olhos.
Selene perdeu-se nas nuvens.
O mar tragou inteira a strada,
Recobriu de treva o seu rosto.
Era tão bela a luz de Selene...
Que chorais, ó graves tormentas?
O mar tragou inteira a strada
Nem existe horizonte no escuro.
Ô malandro, você aí debaixo desse coqueiro
Definição de seu povo brasileiro:
É gostoso o sossego da sombra, né?
A brisa é boa, a vida é boa: Tudo é bom.
Só tem uma coisa que é ruim: É resíduo.
Enquanto você fica aí coa mão no saco
Plástico, atrás de você tem um mar inteirinho
Só de plástico. Sua praia, malandro,
Tá cons dias contados. Vai chegar com tudo,
Viu, e vai feder.
Lixo é assim: Cê não sabe usar, ele toma conta.
Sua tripa vai tar lá, flutuando no meio da química
Logo logo: Pode crer!
Ninguém nem liga, né?
Liga não! Tá longe ainda.
São como os hinos os dias ditosos
Quando o vate celebra a voz das aves.
Douradas ondas flutuam nos ares
Pelo esplendor dos mistérios gozosos.
Deitado sobre a relva que me afaga
O coração é hino, a vida é grata.
Será bonita a verdade das causas
Como toda a mentira de meus olhos?
Nunca foram traçados esses traços,
Além de vista o brilho é fantasia.
Árvores de antiquíssimas florestas,
Será verdade o clamor da verdade?
As ondas são de vento e de agonia,
O coração é ermo, a vida é vaga?
Entranhas da morte,
Gritos torcidos,
Guerra
Perdida e confusos.
Silêncio,
Corpo e fedor,
As mãos, erguidas armas,
Desprezo e nojo,
Medo e covardia,
Palavras!
Tarde as mãos,
O frio,
A flama infinita,
Entranhas.
Calai,
Ouvi
A voz,
Fragras,
Vento.
Textura,
Ilusões,
Doces
Vapores,
Calai.
Fumaça.
Um canto merencório soa no rio
Que leva o mundo embora.
O olhar correndo nas ondas
Não sabe donde vem
O sopro que se foi.
No espelho que desvenda as vidas
Rolam as roucas ondas,
Cantando como a noite
Um sonho de alegrias idas.
A torre catedral
Em meio às chaminés
Estranhas,
As cidades e a nuvem.
Andar pelas ruas,
Fumaça.
Numa esquina,
Uma esquina,
Esquina e fumaça.
O homem passa
E passar é sublime.
Ô Poeta, vem cá, chega aí! Me diz uma coisa:
Cê escreve pra quê, pra quê que cê escreve?
“Ah, pra ficar rico!” Então cê é empresário?
“Não não, a gente escreve é pra ficar famoso!”
Ah, então paga pau mesmo? “Eu não! Escrevo
O que vem do fundo do coração, entende?
Escrevo só pra mim, só pra mim mesmo!”
Mas então pra quê escrever? Basta pensar!
“Peraí, peraí, cê não entendeu, é prosôto
Também, claro!” Pra agradar ou desagradar?
“É pra agradar!” Então tá pagando pau!
“Porra de pau! Se não agradar tô nem aí.”
Ah é? Mas então pra que escrever, maluco?
Cê não tá nem aí pa opinião dosôto!
“Ah, sei lá, pode ser que alguém goste!”
Então paga pau mesmo! “Pago nada! Escrevo
Pra dizer quem eu sou, vem lá do fundo!”
E só você que tem fundo? “Não, todo mundo!”
Então todo mundo é poeta! “Não, não é,
Nem todo mundo sabe escrever que nem eu!”
Tá, mas cê quer o quê? Mostrar quem tu é
Ou como tu escreve? “Mostrar como escrevo!”
Então bajula! “Só to mostrando quem eu sou!”
Querido, quem precisa saber quem você é?
E pra quê? “Cara, ninguém precisa saber,
Mas talvez alguém aprenda alguma coisa.”
Ah, então cê é tipo filósofo? “Isso!” Então
Pra quê poema? Escreve logo um tratado aí!
“Eu sei, mas o bonito é poema!” E é verdade
Ou mentira o que tu escreve? “Ah, verdade!”
Poeta mesmo é quem diz a verdade, né? “Claro!”
Ah, mas então cê pode escrever de qualquer jeito!
Quer dizer, quem escreve feio mas diz a verdade
É poeta, né? “Deve ser!” E quem escreve só pra
Fazer bonito, é o quê? “Po, cara, vai te catar, vai!”
Calado escuto
A voz
Dum peregrino sedento e sem caminho.
Respiro a relva
Mas sonho.
As sementes que a terra teve
Tornaram-se vento,
Chão,
Poeira, revés. Mas sonho.
A menina
Correu entre as tílias.
O rabisco
Correu pelas folhas.
Os ocelos
Falavam como a flauta.
Entre as flores.
A musa
Correu pelo véu virente.
A imagem
Morreu pelo instante.
A trilha.
A história da chuva começa na janela
Quando o canto das gotas toca o vidro.
O trovão se mistura ao som da ventania
Levando folhas, dando medo às aves.
No momento maior da procela bravia
A rua se cala, o mundo inteiro escuta:
Resta apenas um pássaro pelo silêncio,
A voz serena vara o verde invencível.
Quando irrompe no céu a coroa de raios
Todo um coro de vozes redivivas canta.
Nova luz infunde as invisíveis partes,
Gotas que sobram na poça e no rio
Da aurora onde o mundo foi chuva.
Fora do mundo a fragrância da terra
Sobe ao véu que as nuvens descobriram,
Levando longe a liberdade dos sonhos.
Rememos além, pois o flume revela
Uma senda secreta pelas selvas.
Flutuantes flocos, poeira de flores
Cobre num véu de sonho as auras vagas
E à face das águas dão milhares fragras.
O sol repousa pelas verdes frestas
Onde a dança magistral confunde as cores
Do rosto das rios à boca das copas.
Os faunos navegam brincando na beira,
Cantando enquanto surge a silhueta
Da verdade perante a sombra ancestral.
Ó vida simples, o fauno é feliz!
Nada cobiçar senão amor às cores,
Remar além, que ao remo somos glória.
Da cinza recobrindo as cimas
A reta cruzava a terra escura,
O abismo tragando os raios.
Campos ridentes de além,
Abri do nada, nas candeias,
A porta impossível, abri.
Cercado de azuis e algodão,
No espaço infinito e livre
Brinca o passarinho marrom.
Os teus olhinhos ninados
Dormiram entre meus dedos
Como num leito do mar.
As ondas passam macias
Deixando atrás das espumas
A voz dum canto estelar.
Para, tempo!
Deixa em paz os pequeninos,
Deixa em paz os nossos sonhos
Por um minuto somente.
Fico debaixo de folha.
Essa vida, maluco, é repetição,
É isso mesmo!
Mas não venha tirar onda pracima de mim não!
Seu linguajar eu relevo
E se quiser imito até:
Jogo na sua cara pra você ver quem você é.
Mas peraí que eu vou te dizer pra você
Uma coisa:
Quando você vier pra me esculhambar
Co seu churrasco e coa sua farofa,
Co seu bonézinho de time de futebol,
O smartphone de última geração e os sete mil
Do facebook,
Aí tu vai ver quem eu sou. Eu sou que nem o
VIOLINO
Do quarteto de cordas que eu não te digo
Qual é porque você vai ouvir e não vai entender.
Ou vai? É o gritão lá bem histérico,
Feio, dissonante – profundamente verdadeiro.
E olhe: Vai cair com tudo em cima da sua cerveja,
Vai cair feito um
RAIO
E vai agarrar e arremessar tudo
Que é filho seu contra a pedra!
Vai sobrar você, deitado debaixo de folha
Que nem eu agora.
Dessa sua parefernalha, cara, não vai ficar nada,
Pode crer.
Tá pensando que vai avacalhar geral o bagulho?
Aqui não, jacaré, aqui o buraco é mais em baixo.
É isso aí,
E é melhor não esperar pra ver.
Não espere não, viu? Vai se arrepender.
Lira Menor |
Como se esgota na sorte
A verdade doutras horas.
O pó se espalha no chão
Da noite.
A sombra.
Os males
Tragam o prado.
Fica
A saudade, silêncio
Traga
A loucura.
Se houver beleza na forma
Quando passarem as rodas,
O rastro que fica é mundo.
O brilho flui sobre as águas
Da correnteza invisível,
Flui sobre o rio a lembrança.
Será verdade esse canto
Donde o rumo perde a voz,
Onde a vereda se esconde?
Ao discípulo francês
De Manuel Bandeira no século XIX
Aparecera Maria.
Perpassávamos, desconhecidos e eu,
A trilha estreita, jardim que dava em nada,
Onde entre as árvores havia uma cobra, azul,
Perigosa e amedrontada.
E de repente viemos ao pátio do mosteiro,
Ou castelo, ou universidade,
Procurando desesparadamente pelo discípulo.
Fora-se, aonde fora?
Restava ao ar uma saudade tão grande de Maria
E dos mistérios.
Mas nos reencontramos numa praia agreste, rochosa
E deserta da Namíbia, onde o mar vergastava,
Dava um medo bonito às existências.
Houve um doce incidente diplomático com a França.
Era a visão maior da janela onde estávamos,
Enfileirados, esperando pelo próximo avião.
E dançávamos valsas, ah tão alegres, pelo aeroporto,
Subindo a rampa das despedidas em pares,
Sempre dançantes,
Rumo a nada demais.
O silêncio
É sereno
Poema.
Alegria
Escura,
Doce
Ondina,
Angústia,
Silêncio.
Dizer:
Ouvir,
Grafar
A sombra,
Rabisco
Feliz.
De manhã, passou a marcha da grande
Cavalaria, os heróis pelas ruas
Onde o povo aplaudia o seu império.
De manhã, passava o vento de longe
Pelas folhas das árvores antigas,
Onde as aves cantaram sem mistério.
A madrugada
Mergulha
Mergulha
A verdade
O mundo
A estrela
Delírio
Sonho
Sombra.
Ansiedade?
É, mas
Aquela dorzinha no fundo do peito,
Só quem tem é que sabe.
Bobagem? Ah...
A lua
Espelha.
Vem,
Abraça
Dois
Rostos
Em
Busca
Um do
Outro
No
Espelho.
Como seria lindo se a redução
Eletrônica do ser já existisse
No século XVIII. Seria uma dádiva
Fina ver Voltaire e o Tiririca
Dividindo, juntos, o mesmo lugar
No facebook, profundamente nivelados
Pelo mesmíssimo padrão de account.
Imaginem o facebook de Sartre –
Aquela fotozinha básica esquerda,
Os amiguinhos, as suas vidinhas,
E os comentários da massa erudita.
Três passarinhos pousaram sobre os meus pés:
Pequenos demais, não conheciam medo.
Somente eu me calava em receios
Pois o passo os podia assustar.
Da voz que d’os ouvi cantar
Nasceu a verdade e ressoou.
Era um prado o meu corpo,
Era o mundo inteiro.
Não havia medo,
Apenas sopro,
O vento,
Voz
.
Não existe mediocridade no mundo.
Aquela amiga postando fotos de roupas,
De comida e tiradas de auto-ajuda,
Quer apenas dividir um momento,
Uma alegria serena. Proporcionalmente,
O séquito áulico vai comentando
As imagens e cultivando amizades.
Mesmo os invejosos que nunca curtem
Nada, mesmo eles se regozijam.
A prole esbelta se confraterniza
No divino banquete do news feed,
Onde a vida é festa e todo o mundo
É cheio de flores, memes e fake news.
Sobre os telhados
Renasce a lua
Entorpecendo os sobrados,
Distantes da estrada.
Mas as nuvens vão cobrindo
O sonho que vira saudade.
A sombra vai
Invadindo os corpos.
Caminhando
No escuro
Tudo é perto,
Nada se encontra.
Mas as nuvens vão passando
E a lua vira verdade.
Como é possível se emocionar
Com as mesmas músicas de sempre?
Me deitei aqui, vendo os galhos
Secos pela janela; a janela de tantas vezes,
A janela de sempre.
Mas o tempo é uma babaquice.
É na repetição dessas músicas
De sempre que a gente vê
Como as coisas passam, como se não passassem.
Vocês são mesmo terríveis, galhos. Terríveis.
Ficam aí fora, surdos, e o mistério
Da voz de vocês eu decifro aqui dentro:
– Desliga o som,
Desliga o som que a babaquice acaba.
Veio deitar a meu leito
O rosto dum pranto seco.
Veio beijar o meu leito
Enbranquecido e sem cor.
Na parede a luz repousa
Como se o tempo acabasse.
Flui esse sangue dourado
Que adentra pela janela.
Derrama-se sobre os olhos,
Toca mas está distante.
Vou vislumbrando o mistério
Dum longo e lento mistério.
Ê macacada,
Gostoso era viver pelas árvores,
Mas hoje é assim: Você passa
Por aquela rua e se lembra:
– Morei aqui.
E continua passando na chuva
Como se a rua fosse sua;
Mas a rua, coitada, a rua é de alguém?
A rua é só da chuva.
Deixei pra lá saudade donde
Eu morava. Morar é morrer.
É morrer sim, porque viver, eu acho que
Viver é vagar.
É assim mesmo:
Faço de conta que toda janela é igual,
Que nem chuva
Na calçada.
O talho do tempo
Transfaz os heróis
Em pouca poeira,
As flores do vento
O fauno venera.
A pétala exala
O beijo do instante,
Mas além de olores
O viço lascivo
Esgota os amores.
Cada rosa é mundo,
O lábio reserva
A cada perfume
Amor, mas verdade
Não cabe no mundo.
Eu vi.
Eu vi sim os detalhes do mundo,
Aquela pontezinha verde no vale,
Pontezinha.
A vaquinha
Correndo no meio da chuva,
Essa eu vi. Vi sim.
Não fiquei
Só metendo a boca
Em banheiro de rodoviária não.
Lágrimas, alvo sonho, donde sois?
Adentram d’alma a janela os mistérios
Invasores do peito.
Feliz a angústia dos limbos,
Tristeza é distância.
Silêncio!
Silêncio?
O amor fica pela estrada sem palavras,
O tempo é privilégio dos sonhos.
Ah, alcançar as alturas!
Nas auras do esboço lunar
As alegrias são lágrima apenas.
Me apaixono é pela alma das pessoas, mas
Como é desalmada essa vida.
Que alma que nada? O negócio é a começão
Que a gente vê por aí, o exemplo ancestral
Da bicharada esbelta
(Ê bicharada!): É costume
Que vem do fundo.
Acho isso lindo, prodigiosamente lindo.
Essa gente toda aí nesse mundaréu de meu Deus,
Não tenho
Absolutamente nada contra que fodam
E que se fodam todos
Mutuamente. Deliciosamente.
E poetinha aí perdendo tempo com poema de flor,
Ai ai...
É que alma não dá pra comer.
Tu que preenches a pena
Andando migo na sombra,
Contempla as ondas no bojo
Despreparado das almas!
Quando me levas ao bosque
Cantando a música plena
E quando a lágrima aflora,
Por que cantamos no vento
Se vento é maior que o canto?
Contigo e no firmamento
Temo a mentira dos astros,
A liberdade dos astros!
Quando me perco no tempo
Surges como a luz dum sonho
Sobre a folhagem do sopro.
Mas como é pouca a verdade,
Por que cantamos ao vento
Se vento é maior que o canto?
POETA:
Eu hem? A gente escreve poema
E depois ninguém lê,
Ai ai... daí vem amigo
Querer falar de conversa fiada.
PATETA:
Uai, poeta! A gente na vida
Psa de amigo, psa de amigo sim!
POETA:
Que porra de amigo, rapaz!
Quero é leitor, quero amigo?
PATETA:
Credo em cruz, seu babaca!
Seu livrinho de poema
Já não te falei que vou ler?
Só não li porque não tive tempo.
Na névoa
O espelho da sombra sonha,
O fim
Dos prados é estrela,
O céu a margarida.
Andando na trilha
Atrás do passo, a sombra
Fere a flama lunar,
A estrada teme.
A flama no castiçal
Recusa a morte no fundo
Quando o pavio se debate,
A cera chegando ao fim.
O fogo azul vai dançando
Sem rumo em tanta agonia.
A flama se torna brasa
Enquanto a luz diminui,
O fogo pulando em vão.
A força já não garante
A vida: Em poucos segundos
A brasa vai se encolhendo,
O resto é sombra e fumaça.
O homem
E a mosca.
A mosca
E o homem.
O homem
É a mosca.
A mosca
É o homem.
Aparecem estrelas, tão longe dos olhos, tão perto.
Brilham sobre folhas, sobre estrelas, sobre mim.
Cintilam calmas, sempiternas,
Paz ao mundo, luz a mim.
Flores em sombra, deixai-me dizer que vos amo.
Que a brisa leve além o canto do meu amor,
Meu canto simples, meu amor fiel –
Meu canto que se perde em folhas,
Meu amor que alcança todo o céu.